o dia em que allende quase criou uma outra internet

por T. C. Soares em 12 de setembro de 2013, zero comentários

Há quarenta anos, o presidente eleito Salvador Allende foi deposto num golpe de Estado no Chile. Em 11 de setembro de 1973, sitiado no palácio presidencial, sob fogo de tropas golpistas lideradas pelo general Augusto Pinochet, Allende teria se suicidado, marcando o início de uma ditadura que se estenderia por 17 anos.

Os horrores do regime de exceção chileno, marcado por dezenas de milhares de mortos e torturados e por centenas de milhares de exilados (e pelo enriquecimento meteórico de seu ditador) são conhecidos, tema de livros e reportagens e estudos. Não menos conhecida é a participação do governo dos EUA nisso tudo. E são coisas que não devem ser esquecidas mesmo.

Mas este texto trata de algo não tão conhecido do governo Allende: a criação de uma rede de comunicação que poderia ter sido o começo de outra internet.

Numa matéria recente da revista inglesa Red Pepper, é resgatada a história da Cybersyn (sigla que remeteria ao nome “Sinergia Cibernética”), um sistema de comunicação desenvolvido por Allende para descentralizar o fluxo e a gestão de informações e mercadorias.

A revista britânica lembra que, pouco antes de cair, Allende enfrentava um desafio: de um lado, construir um governo de esquerda que não emulasse o centralismo do modelo soviético; do outro, a ofensiva de uma direita interna (e continental) que, por conta da guerra fria, se delineava em traços bastante agressivos. Nesse esforço de elaborar uma estrutura de governo que permitisse gerenciamento horizontal, em rede, o grupo de gestores de Allende foi buscar inspiração no trabalho de um cientista britânico chamado Stafford Beer. No Guardian, Beer é lembrado da seguinte maneira:

Parte cientista, parte guru da administração, parte teórico social e político, (Beer) era alguém que havia ficado rico mas cada vez mais frustrado com a Grã-Bretanha dos anos 50 e 60. Suas idéias sobre as semelhanças entre os sistemas biológicos e artificiais — a maior parte delas expostas em seu livro “The brain of the firm” — fizeram dele um consultor junto a empresas e políticos britânicos. No entanto, esses clientes não costumavam adotar as soluções que recomendava do modo que ele gostaria, o que o levou a assinar cada vez mais contratos no exterior.

 

Na verdade, Beer se interessou tanto pelo projeto que foi para o Chile trabalhar com a equipe de Allende. Sob as ideias do pesquisador britânico, o governo do Chile implementou, entre 1971 e 1973, uma rede de comunicação que se desenharia como o sistema nervoso do sistema produtivo chileno, do chão de fábrica a escritórios de gerenciamento e gabinetes de governo. Uma arquitetura baseada em máquinas de telex e linhas telefônicas ligadas a computadores que, em sua versão beta, chegaram a interligar mais de um quarto da infraestrutura econômica do país. Uma rede cuja coordenação central ficaria delegada a um grupo de sete gestores alocados numa Sala de Operações com visores e cadeiras futuristas vermelhas.

a sala de controle do projeto cybersy (sério caras)

a sala de controle do projeto cybersyn (sério caras)

O mais louco é que, pelo que levantei, parece que o sistema funcionava mesmo. Quando, em 1972, o Chile ficou travado com uma greve de transportes organizada pela oposição chilena com a ajuda da CIA, a Cybersyn foi acionada e permitiu que o governo reordenasse a produção e o tráfego de mercadorias ao redor do país. No texto da Red Pepper, eles explicam:

Quando o governo enfrentou, em 1972, uma greve de pequenos empresários conservadores apoiados pela CIA e um boicote de empresas privadas de caminhão, o abastecimento de alimentos e combustíveis ficou perigosamente baixo. O governo enfrentou sua mais grave ameaça frente ao golpe. Foi então que a Cybersyn se realizou de fato, e o governo de Allende percebeu que o sistema experimental poderia ser usado para contornar os esforços da oposição. A rede permitiu que seus operadores levantassem informações imediatas de locais onde a escassez estivesse maior, bem como onde se encontrariam os motoristas que não participavam do boicote, mobilizando ou redirecionando meios de transporte próprios.

Hoje isso pode parecer nada demais, mas em 1972 era mais ou menos como inventar uma nova versão do Google.

Na verdade, esse flerte da cibernética com o socialismo não é invenção chilena. O pai da coisa toda, Norbert Wiener, era bastante crítico da ideia de horizontalidade homem-máquina, e defendeu até o fim a ideia de que sistemas cibernéticos deveriam ser geridos essencialmente por agentes humanos, adaptados como ferramentas voltadas ao combate à desigualdade social — esse viés socialista fez dele, inclusive, um pesquisador bastante celebrado na União Sociética.

No fim, porém, a noção do que seria o ideal de interação homem-máquina defendida por Wiener acabou, em meados do século passado, obscurecida pela de seu parceiro de pesquisas tornado rival, John von Neumann, que acreditava numa lógica cibernética baseada numa igualdade de condições entre homens e máquinas – o que, ao longo do processo da evolução tecnológica, permitiria que os computadores se portassem como organismos que viessem a automatizar os espaços da interação humana. Mais ou menos como o que rola com os bots na Wikipedia, por exemplo.

Enfim. O bacana da internet é que você está sempre aprendendo alguma coisa nova.

o fórum da internet será transmitido na internet

por T. C. Soares em 3 de setembro de 2013, zero comentários

Entre hoje e quinta-feira (de 03/9 a 05/9), acontece em Belém o III Fórum da Internet no Brasil. O encontro, que este ano tem como eixo o tema “Construindo pontes”, junta o pessoal do governo, do setor privado, do terceiro setor e da academia para pensar o futuro da internet no país –, de protocolos a infraestrutura, da produção científica à geração de tecnologia. A isso tudo, devem se juntar as novidades sobre a espionagem tocada por empresas e governo dos EUA, o que vai agitar um tanto os debates e deixar a coisa animada.

O Rafael Evangelista (@r_evangelista), aqui do OPlanoB, é um dos convidados como representante da academia, e participará da trilha de debates “Universalidade, Acessibilidade e Diversidade”, que acontece hoje (03/9), das 13h30 às 20h00. Há várias outras trilhas bacanas, com gente do país todo tratando de coisas como direitos autorais, neutralidade de rede, inovação tecnológica e liberdade de expressão.

Mas ao que importa: os debates serão transmitidos ao vivo na página do Fórum, então caso você não esteja por Belém dá pra assistir às mesas no conforto do lar ou na aba escondida no computador do trabalho.

E é isso.

como o Zuckerberg vai quebrar a net neutra (acho eu) pagando de bom moço e fichando o mundo todo

por Rafael Evangelista em 28 de agosto de 2013, 6 comments

Perdoem pelo post no estilo Tio Rei, mas achei essa entrevista do Zuckerberg dada ao Steven Levy (simplesmente o autor de Hackers: the heroes of the computer revolution, o melhor trabalho de investigação sobre as origens culturais do Vale do Silício que já li) extremamente interessante. Então quero analisá-la e recheá-la com comentários sobre o que penso ser a ideologia desses caras (Ideologia Californiana, mais ou menos nos termos do Richard Barbrook).

Escrevi um monte de elucubrações aí no meio da entrevista. Mas o ponto importante é: Zuckerberg está usando de uma aparente intenção humanitária – Internet para todos, para o planeta inteiro – para propor alterações nos princípios básicos e fundamentais da rede, alterações que são a consequência lógica inerente dos objetivos estabelecidos. O pano de fundo disso, o contexto ideológico, é uma construção utópica em que todos os problemas do mundo (TODOS) seriam no fundo derivados de um problema comunicacional. Eliminando o ruído, estabelecendo a comunicação plena, tudo poderia ser resolvido.

No último dia 20, Zucker lançou uma coalizão de empresas, hospedadas no sugestivo domínio internet.org. E lançou um vídeo bonitinho. E um documento mais longo, igualmente vazio.

Na segunda a Wired publicou essa entrevista dele, detalhando a coisa.

Wired: Por que formar uma coalizão para espalhar a conectividade global?

Zuckerberg: A Internet é uma base importante para melhorar o mundo, mas não se faz sozinha. Nos últimos anos, temos investido mais de um bilhão de dólares em conectar pessoas em países em desenvolvimento. Temos um produto chamado Facebook For Every Phone, que fornece o nosso serviço em telefones associados, que tem 100 milhões de usuários. Mas ninguém, empresa ou governo, pode construir um conjunto completo de infra-estrutura para rodar isso ao redor do mundo. Então, você precisa trabalhar em conjunto com as pessoas. Desde que nós temos anunciado Internet.org, temos ouvido, de operadoras de todo o mundo e de governos, que querem trabalhar com a gente. Isso vai dar um impulso para fazer este trabalho durante os próximos 3 a 5 anos, ou o tempo que for preciso.

A pergunta é bastante objetiva, mas recebe uma resposta parcial. “A internet é uma base para melhorar o mundo” e logo se vai para ~como fazer isso~* e se percebe que esse é um processo político, que não passa pelo livre mercado (o que necessita mais do que ele). Só que o processo político, nunca chamado por esse nome, vira um processo de ~entendimento~, uma coalizão entre Estados frágeis dos páíses-alvo com diferentes players do mercado.

Wired: Você diz que a conectividade é um direito humano – lá em cima com a liberdade de expressão, estar livre da fome e outros direitos essenciais. Você pode explicar?

Zuckerberg: A história do próximo século é a transição de uma economia industrial, baseada em recursos, para uma economia do conhecimento. Uma economia industrial é de soma zero. Se você possui um campo de petróleo, eu não posso ir no mesmo campo de petróleo. Mas o conhecimento funciona de forma diferente. Se você sabe alguma coisa, então você pode compartilhar isso – e, em seguida, todo o mundo fica mais rico. Mas enquanto isso não acontece, há uma grande disparidade na riqueza. O 500 milhões mais ricos têm muito mais dinheiro do que o próximo 6 bilhões combinados. Você resolve isso fazendo com que todos estejam online e na economia do conhecimento – através da construção de fora da Internet global.

É um conjunto bem interessante de simplificações e de silogismos equivocados. Mas, em resumo, o que ele está dizendo é que os 6 bilhões mais pobres são assim porque tem menos conhecimento (ou acesso a ele) do que os 500 milhões que estão no topo. Como se o poder não existisse, nem relações de opressão, dominação e consequente exploração. A história teria apenas nos levado a um contexto de assimetria de informações, o que caberia resolver com a internet. Pra isso ele se vale de uma metáfora até verdadeira – a da possibilidade de compartilhamento infinito do conhecimento –, somada a outra ideia parcialmente consistente – a de que o caminhamos para uma economia do conhecimento – , para afirmar que este é apenas um momento de transição para o mundo da riqueza de todos. Utopia da comunicação e do conhecimento “cuspida e escarrada”.

Wired: Mas nós temos uma economia do conhecimento funcionando aqui nos Estados Unidos, e a disparidade de renda nunca foi pior. Também parece mais polarizada.

Zuckerberg: A transição tem, naturalmente, que acontecer. Eu dei aula em uma escola local, este ano, e uma grande quantidade de estudantes lá não têm acesso à Internet em casa. Portanto, há um monte de trabalho que precisamos fazer em os EUA. Não vai ser como, “Estale os dedos, todos tem a Internet, e agora o mundo está resolvido.” A Revolução Industrial não aconteceu em uma década. Você precisa de uma base para que a mudança pode acontecer.

A réplica vai direto ao ponto, mesmo no paraíso da sociedade da informação a diferença só aumenta. Para alguém que não está em campanha ideológica a conclusão é evidente: só internet não basta. Mas Zucker  insiste, reforça a ideia de que o momento é de transição, reafirma a utopia e aponta a incompletude do projeto mesmo em território doméstico.

Wired: Se você faz um consórcio de empresas os telefones vão ficar mais baratos ou não?

Zuckerberg: Só porque smartphones estão mais baratos não significa que as pessoas que os têm podem ter acesso de dados. Por exemplo, o custo de para ter um  iPhone, nos EUA,  por dois anos, é de US$ 2.000 – US$ 500 para o telefone e os outros US $ 1.500 para tráfego de dados. Os dados são mais caro do que o telefone. Assim, o maior problema é fazer o acesso a dados mais barato, tentando descobrir como fornecer esse básico da Internet de graça [ele usa a expressão dial tone para dizer isso, como se coisas básicas da Internet fossem como o tom de discar de um telefone, custando o mesmo que o que se paga para ter a própria linha], e, em seguida, a construção de um modelo de negócios em cima disso.

Aqui temos o descortinar do projeto político que antes aparecia nublado pelo bom-mocismo e pela utopia da comunicação/informação/conhecimento. A ideia é oferecer uma internet básica a preços baixos ou irrisórios, sustentada por conteúdos mais elaborados (que usam mais banda). Na prática, isso significa pleitear o fim da neutralidade de rede, permitir a discriminação dos pacotes que circulam pela net. Assim, os provedores poderiam, por exemplo, tornar seu YouTube ou sua Netflix mais lentos se você não pagar uma taxa extra para o serviço “premium”. Com isso, a indústria conseguiria concentrar ainda mais a distribuição de conteúdo, minar as iniciativas concorrentes marginais e aumentar as taxas de lucro. Eles podem fingir que vêem um mundo pretensamente igualitário – onde a desigualdade estaria na distribuição das informações ou conhecimento -, mas sabem muito bem montar estratégias de negócio calcadas no poder e no controle das estruturas (no caso, dos cabos e dos softwares onde interagimos).

Wired: Como você torna os dados mais baratos?

Zuckerberg: Passamos muito tempo tentando fazer com que nossos aplicativos rodem mais rápido, caiam menos e tenham menos bugs, mas, até este ano, não tínhamos gasto enorme quantidade de tempo buscando entregar a mesma experiência com menos dados. Isso não era importante para um monte de pessoas que utilizam nossos serviços em países desenvolvidos. Mas é extremamente importante para os próximos bilhões. No início deste ano, em média as pessoas usava cerca de 12 megabytes para o Android app no Facebook, e acho que ao longo dos próximos dois anos vamos ser capazes de conseguir derrubar isso para até um megabyte por dia, com muito poucas mudanças. Uma vez que um megabyte ainda é muito para uma grande parte do mundo a questão torna-se se podemoschegar a metade de um megabyte, ou um terço?

Wired: você pode fazê-lo de modo que uma Internet baseada em texto seja quase de graça?

Zuckerberg: O texto, no documento que escrevi, ocupa menos de um décimo de um megabyte. Mas um vídeo de 30 segundos como o que fizemos para Internet.org pode ter facilmente 50 a 100 megabytes, e isso mesmo tirando proveito de uma série de investimentos feitos em tecnologias de compressão. Mas o número que eu dei para o documento de texto não envolve compressão. Portanto, não há mais oportunidade de fazer mais pela compressão para os serviços básicos do que há para espaço de evolução para coisas como vídeo.

Reforço da ideia anterior. Essa internet baseada em texto, extremamente básica, estaria dentro da ideia do que é essencial. Dá para imaginar também que, para um serviço de fichamento global, o texto de fato é o que basta.

WIRED: Certamente as operadoras de telecomunicações podem ajudar com isso fornecendo mais largura de banda a preços mais baratos. Agora, eles não estão em seu consórcio. Será que isso muda?

Zuckerberg: Com certeza. Mais pessoas vão juntar-se ao longo do tempo, tanto as operadoras quanto outras.

Wired: Outras empresas de Internet voltadas ao consumidor, como Google, Amazon, Microsoft não estão em seu consórcio agora. Você os convidou, espera que eles eventualmente venham a participar?

Zuckerberg: Muitas empresas estão muito bom trabalho nessa área. Nós conversamos com Google e Microsoft. Acho que ao longo do tempo algumas dessas empresas irão optar por participar. As coisas que eu estou focado para Internet.org exigem colaboração entre as empresas.

Wired: É estranho ouvir falar em voltar para modelos de texto, de baixo consumo de dados, quando a direção do Facebook tem sido o oposto – a adição de mídia e serviços mais ricos.

Zuckerberg: Depois de ajudar a todos a entrarem na Internet e a terem acesso básico, em seguida o próximo desafio será conseguir que todos tenham acesso à rede que usa muita banda, por isso o consórcio não pára.

Wired: O seu documento fala sobre a criação de novos modelos de negócios para espalhar a conectividade. Pode dar um exemplo?

Zuckerberg: Eu tenho um plano em que você pode pegar um telefone em qualquer lugar e, mesmo se você não tiver um plano de voz, você ainda pode ligar para o 911 para obter serviços básicos. Acho que podemos chegar a um modelo onde muitas dessas coisas são gratuitas para pessoas que não podem pagar por eles. Estou falando de coisas como mensagens, Wikipedia, sites de busca, redes sociais, acesso às condições do tempo, o preços das commodities. Eu chamo isso de o tom de discagem [dial tone] da Internet. Queremos fazer serviços que funcionem, onde qualquer pessoa – mesmo quem não podia pagar por dados no modelo antigo – pode entrar em uma loja, pegar o telefone e obter este tom de discagem da Internet para esses serviços básicos.

Wired: Quem vai pagar por isso?

Zuckerberg: O que é valioso sobre redes sociais e motores de mensagens e de busca é que eles são portais para mais conteúdo. Ao fazer o acesso básico a essas coisas livres as pessoas realmente acabam descobrindo mais conteúdo em uma base sustentável, então acessarão e usarão mais dados do que usavam antes. Acabaria sendo um modelo muito rentável para as operadoras. Os operadores vão ganhar mais dinheiro com as novas pessoas que podem pagar do que vai custar-lhes oferecer os serviços gratuitos.

Tem uma coisa muito muito cruel nisso, tenho a impressão (mas este sou eu o paranóico). Zucker captou bem a ideia – que deve ser do marketing ou de alguma disciplina especializada em sugar sempre mais das pessoas – de que a alienação total do mundo ocidentalizado-capitalista simplesmente não interessa. É preciso jogar todo mundo na rede, estabelecer um mínimo de contato cultural, de ponte de comunicação, para que essas pessoas possam se sentir impulsionadas e cativadas a consumirem cada vez mais (tanto faz se objetos físicos ou informação-entretenimento). É um plano de expansão dos negócios, não só de Zucker (e por isso ele acredita que mais empresas entrarão na coalizão) mas de todo o complexo da tecnologia da informação. Integrar e expandir e, para isso, é preciso criar linhas diferenciais na internet, os caminhos de terra gratuitos e as highways informacionais cheias de pedágios.

Wired: O Facebook quer assumir o papel de fornecer identidade on-line para estes novos milhões de usuários?

Zuckerberg: Em muitos países em desenvolvimento é difícil saber persistentemente quem é seu cliente. Se você é um operador na Índia e alguém compra seu serviço em uma loja de varejo, pagando com dinheiro e colocando créditos no chip, você não sabe muito sobre quem é essa pessoa. Ser capaz de criar um relacionamento de longo prazo com o cliente seria muito valioso. Eu não quero fingir que somos a única empresa que pode fazer isso, mas se nós podemos criar algum valor ali, esta seria sem dúvida algo que eu estaria interessado em fazer.

Não dápra negar que Zuckerberg é transparente. O objetivo final de seu negócio é identificar pessoas/consumidores e comercializar os dados dessa pessoa. Esse consumidor marginal, que tem 4 chips, diversas identidades online, é difícil de controlar, de produzir metadados consistentes e comercializáveis. Se esgueira numa deep web, ironicamente aberta mas ainda assim difícil de controlar.

WIRED: Por que não fazer isso como uma fundação ou sem fins lucrativos?

Zuckerberg: Este problema não vai ser resolvido só por meio de altruísmo. Dezenas de bilhões de dólares por ano são gastos na construção desta infra-estrutura. É demais para ser sustentado pela filantropia. Tem de haver um modelo sustentável. Há um monte de empresas cujo trabalho é para entregar isso. Até agora, um monte desse trabalho meio que aconteceu por si só. Mas para tornar este plano real as empresas precisam trabalhar juntas. Internet.org pode ajudar.

WIRED: Seus críticos estão dizendo que Internet.org é um jeito auto-interessado de o Facebook construir sua base de usuários.

Zuckerberg: Claro, nós queremos ajudar a conectar mais pessoas, então teoricamentenos beneficiamos disso. Mas essa crítica é meio louca. As bilhões de pessoas que já estão no Facebook tem muito, muito mais dinheiro do que as próximas 6 bilhões de pessoas juntas. Se quiséssemos nos concentrar em apenas ganhar dinheiro a estratégia certa para nós seria nos concentrarmos exclusivamente nos países desenvolvidos e nas pessoas que já participam do Facebook, aumentando seu engajamento ao invés de colocar essas outras pessoas para participar. Nosso serviço é gratuito, e os mercados de anúncios não são desenvolvidos em muitos desses países. Assim, por muito tempo isso pode não ser rentável para nós. Mas eu estou disposto a fazer esse investimento porque eu acho que é muito bom para o mundo.

Wired: O que o liga pessoalmente a esse esforço?

Zuckerberg: É muito claro que qualquer pessoa que tenha um telefone deveria ser capaz de acessar à Internet. Muitas vezes as pessoas falam sobre quão grande foi a mudança cultural produzida pelas mídias sociais aqui nos EUA. Mas imagine quanto maior é a mudança quando um país em desenvolvimento fica on-line pela primeira vez. Nós usamos coisas como Facebook para compartilhar notícias e manter contato com nossos amigos mas, nesses países, eles vão usar isso para decidir que tipo de governo eles querem ter. Ter acesso a informações de saúde pela primeira vez na história. Estar conectado a alguém a uma centena de quilômetros de distância em uma aldeia diferente, que eles não viam há uma década. Este é um dos maiores desafios da nossa geração e é maravilhoso ver as empresas se unirem para tentar resolvê-lo.

O quanto essa visão do Terceiro Mundo é caricatural e simplista é difícil expressar em palavras. Opa… o Zucker conseguiu bem aí em cima. O trecho sobre a acesso a informação sobre saúde é exemplar sobre o quanto os cidadãos dos países desenvolvidos diminuem o problema alheio transformando-o em uma questão de ignorância. O ponto sobre mudança política é preocupante, em especial, ao mostrar como o Vale do Silício vê os sistemas políticos não-ocidentalizados como simplesmente derivados de um hipotético bloqueio das comunicações. E como claramente se coloca no papel de agente da transformação desses sistemas, erroneamente imaginando que uma infraestrutura comunicacional semelhante à ocidental vai desembocar num sistema político igualmente ocidentalizado. “Decidir o tipo de governo que eles querem ter” é mera frase de efeito que esconde a expectativa de emergência de um sistema em alguma medida similar (ou que atenda aos interesses) dos países mais fortes. Nisso, importa pouco se Zuckerberg efetivamente acredita no que diz. O fato de que esse é um discurso que funciona com pelo menos parte do público é evidência suficiente da existência desse tipo de ideia no senso comum.

Nukezilla

por Rafael Evangelista em 24 de agosto de 2013, um comentário

Os melhores filmes de monstros e/ou de terror são aqueles cujo medo não é causado propriamente pela criatura, mas pelo que ela representa – e essa é uma ideia até já meio batida. Nessa linha, Brian Merchant, da Motherboard, foi assistir o Godzilla original pela primeira vez – o filme vai fazer 60 anos no ano que vem. Ele pirou e escreveu um texto bem massa lembrando que o filme está ligado não só às bombas de Hiroshima e Nagasaki mas também a um acidente menos conhecido, no Atol de Bikini, ocorrido seis anos depois das bombas, quando os americanos testavam a bomba de hidrogênio.

As bombas nucleares das forças armadas americanas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki abriram uma ferida purulenta no tecido da sociedade japonesa. Mas foi um incidente que ocorreu seis anos depois, em 1954, quando os americanos testaram uma bomba de hidrogênio acidentalmente muito perto de um navio de pesca japonês, que inspirou Godzilla. A bomba caiu encharcado 23 homens com suas cinzas (o fallout), tornando-os os primeiros civis a serem submetidos a radiação de armas em tempo de paz. Foi também um lembrete para Japão ocupado que a bomba ainda estava muito viva. O pesadelo atômico não foi relegado às Guerras Mundiais, era uma ameaça onipresente.

Portanto, faz sentido que Godzilla comece com um navio de pesca que aparece em combustão espontânea. A explosão, as chamas, parecem vir do próprio mar. Antes de os marinheiros saberem o que os atingiu, eles se foram.

Mas ao contrário do que dá a entender Merchant, o acidente original não implicou na morte instantânea dos pescadores. Primeiro eles viram uma luz a oeste, como um nascer do Sol. Oito minutos depois veio o som da bomba, que se mostrou duas vezes mais poderosa do que o esperado. Três horas mais tarde, cinzas brancas, produzidas pela calcinação dos corais da ilha, começaram a cair por todo o barco durante três horas. Os pescadores retiraram as cinzas com as mãos nuas. Quando retornaram ao porto se queixavam de náuseas, dores de cabeça, queimação na pele, ardência nos olhos e tinham as gengivas sangrando. Sete meses depois, em setembro de 1954, morreu a primeira vítima, o operador de rádio do barco.

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“Godzilla destrói não só vidas, claro, mas infraestrutura – pontes, linhas de transmissão e, talvez mais notoriamente, trens. Coisas caras que são difíceis de reconstruir, tomam anos”

Outro dado curioso e cruel da matéria da Motherboard é que, logo após o acidente de Fukushima, as buscas por Godzilla no Google japonês sofreram um pico. Isso mostra que o monstro continua marcado na cultura do país como a grande história sobre a cautela necessária com as coisas nucleares.

Dica de texto do @filipesaraiva

foram hackers

por T. C. Soares em 22 de agosto de 2013, 2 comments

Esses caras querem hackear a internet.

A princípio, eles se parecem com qualquer outro bando de geeks. Mas então você percebe que um deles é Ward Cunningham, o homem que inventou o wiki, a tecnologia que sustenta a Wikipedia. E há Kevin Marks, ex-vice-presidente de serviços web da British Telecom. Ah, e reconheça Brad Fitzpatrick, criador do pioneiro site de blogs LiveJournal – e, mais recentemente, programador a trabalhar na sala de máquinas do império online Google.

Apertados numa pequena sala de conferências, esse variado bando de desenvolvedores de software tem um pedigree digital descomunal, e uma missão a cumprir. Eles esperam fazer o jailbreak da internet.

Eles chamam a coisa de movimento Indie Web, um esforço para criar uma rede que não é tão dependente de gigantes da tecnologia como o Facebook, o Twitter, e, sim, o Google – uma web que pertence não a um indivíduo, ou a uma empresa, mas a todos. “Eu não confio em mim mesmo”, diz Fitzpatrick. “E eu não confio em empresas.” O movimento surgiu de um projeto online igualitário lançado por Fitzpatrick antes de entrar no Google. Ao longo dos últimos anos, a proposta juntou cerca de cem outros programadores de todo o mundo.

O trecho acima é de uma matéria da Wired sobre o IndieWebCamp, encontro de pesquisadores e desenvolvedores envolvidos com o movimento Indie Web.

Basicamente, a ideia é oferecer um ecossistema online aberto que, em vez de substituir os espaços proprietários de socialização e tráfego de dados dominado por gigantes como Facebook e Google, dialogue com essas redes fechadas. Mais ou menos como abrir frestas nas paredes dos silos das redes sociais e dos serviços oferecidos por essas grandes empresas, permitindo que dados e informações fiquem não apenas na mão dessas companhias – e, sendo o caso, garantir que usuários e usuárias da internet tenham a opção de usar ferramentas de comunicação abertas, que possam guardar seus dados em servidores próprios ou comunitários.

Na verdade, ao que parece o movimento é ainda bem novo. Mas é possível que a coisa cresça. Eu, pelo menos, não me sinto tão bem com a ideia de minha vida online ser propriedade do Facebook, trancada na caixa-forte deles. E o fato de alguns governos andarem com a chave desse cofre no bolso não ajuda.

uma coisa é uma coisa

por T. C. Soares em 21 de agosto de 2013, 2 comments

Em 2009, Bradley Manning tinha 22 anos e era um soldado dos EUA estacionado em Bagdá. Como especialista em sistemas de inteligência, ele tinha acesso ao banco de dados usado pelo governo para a organização e transmissão de informações confidenciais.

Logo após ter acesso aos sistemas de segurança dos Estados Unidos, num movimento que deixará cientistas políticos e psicólogos e filósofos coçando a cabeça por muitos, vários anos, Manning sentiu que as informações de que cuidava deveriam ser mostradas às pessoas e contatou o pessoal do Wikileaks – então, uma nova e não muito conhecida iniciativa de mídia radical.

Para o Wikileaks, Manning repassou dados confidenciais sobre ataques de militares dos EUA a civis no Iraque e no Afeganistão, memorandos de diplomatas americanos sobre suas intervenções na política interna de outros países, relatórios sobre a sistematização de crueldades na prisão de Guantánamo. Hipóteses radicais e teorias de conspiração saíram de suas gavetas e foram tomar um pouco de sol, promovidas, enfim, a verdade das coisas.

No começo de 2010, Bradley Manning puxou papo na internet com Adrian Lamo. Hacker tornado consultor de segurança, Lamo é o que, no jargão da cibercultura, é conhecido como gray hat, o sujeito que vive na zona cinzenta entre o que, simplificadamente, seria o “hack ético” (white hat) e o “hack desonesto” (black hat). No bate-papo, Manning contou sobre as informações vazadas para o Wikileaks, e meio que imediatamente Lamo o denunciou a o FBI (apesar de ter garantido manter a informação em segredo). Lamo repassou, ainda, o registro do chat que teve com Manning para a Wired, que publicou parte da conversa e foi a primeiro veículo a dar a história.

Pouco tempo depois, em meados de 2010, Bradley Manning foi detido. E assim continuou, e assim continuará pelos próximos 35 anos, de acordo com a pena hoje recebida ao fim de seu julgamento – embora, segundo alguns especialistas, exista a possibilidade de que em oito anos ele venha a cumprir o resto da pena em liberdade condicional.

(A pena de Manning é três vezes maior que a sentença máxima dada aos soldados envolvidos na tortura de prisioneiros na prisão de Abu Ghraib. E a Anistia Internacional condenou seu sentenciamento.)

Há poucos meses, Edward Snowden, então um especialista em tecnologia de 29 anos contratado pela CIA, saiu de casa para nunca mais voltar, pegou um avião dos EUA para Hong Kong, e lá contou a jornalistas que somos espionados na internet o tempo todo pelo governo americano (e pelo Vale do Silício). Hoje exilado na Rússia, Snowden não pode mais voltar a seu país, onde o espera uma acusação de espionagem e uma pena de 30 anos a ser julgada. Tanto ele como Manning se embrenharam fundo no motor da guerra e da espionagem de seu país (que vem a ser o mais poderoso do mundo), e viram os cheat codes do maquinário do poder global, e encararam mais riscos do que as pessoas normalmente parecem dispostas a correr para mostrá-los pra todo mundo.

Li todo tipo de coisa tentando entender os motivos de Manning, hipóteses que passam por seu voluntarismo juvenil, pelo seu sentimento patriótico, pela sua negação do complexo industrial-militar, pela sua sexualidade (psicólogos que o acompanham afirmam que ele teria se descoberto transgênero, e viveria um delicado momento de instabilidade e reconstrução emocional). Talvez alguns desses motivos façam sentido, talvez seja tudo junto. Snowden se justificou dizendo que gostaria apenas “de informar o público sobre o que foi feito em seu nome, e sobre o que foi feito contra” – argumento que, em sua lógica cristalina, parece ter deixado os analistas igualmente desorientados.

Talvez a coisa tenha a ver com alguns absurdos às vezes se apresentarem como os absurdos que são, e algumas pessoas não conseguirem dar de ombros e deixar quieto.

***

Essas eram apenas uma ou duas coisas que eu queria falar sobre a condenação de Bradley Manning. Aqui, porém, tem algo mais pedaçudo a respeito do Wikileaks.

desliga o estabilizador quando for embora, por favor

por T. C. Soares em 19 de agosto de 2013, zero comentários

Cientistas esqueceram o laboratório funcionando durante a folga e acabaram inventando o maior absorvente de água de todos os tempos.

Uma equipe de cientistas suecos conseguiu o impossível ao produzir por acaso a substância conhecida como Upsalite – depois de deixar seu equipamento em funcionamento no fim de semana.

O avanço tem aplicações comerciais de amplo alcance, dado que o Upsalite (assim batizado por conta da Universidade de Uppsala, onde os cientistas estão baseados) é o absorvente de água mais eficiente do mundo. Ele poderá ser usado na remoção de umidade no desenvolvimento de medicamentos e de eletrônicos de alta tecnologia, e na limpeza de grandes vazamentos de petróleo.

(…)

A ironia é que, embora a equipe de Uppsala há tempos tentasse criar o material impossível, eles o estavam fazendo pelo caminho errado.

“Na tarde de uma quinta-feira, em 2011, alteramos levemente os parâmetros de síntese utilizados em nossas tentativas frustradas, e por engano deixamos o material na câmara de reação durante o fim de semana. Ao voltarmos para o trabalho na segunda-feira de manhã, descobrimos que um gel rígido tinha se formado, e após secá-lo começamos a ficar animados “, diz (o cientista) Johan Gomez de la Torre.

Eu mesmo faço isso direto.

 

você gosta mais de: ( ) batata ( ) estudar

por T. C. Soares em 15 de agosto de 2013, zero comentários

Seus comentários nas redes sociais podem ser o futuro da pesquisa eleitoral.

Segundo pesquisadores da Universidade de Indiana, a ligação entre tweets e os votos nas eleições políticas pode ser mais forte do que se pensava. Em um estudo analisando 537 milhões de tweets de agosto de 2010 – a maior amostra de tweets tornada acessível a pesquisadores acadêmicos – o percentual de votos para os candidatos Democratas e Republicanos na Câmara dos Representantes (dos EUA) é parelha ao percentual de tweets em que são mencionados.

(…)

O estudo contribui para a crescente evidência de que as redes sociais não são, como se pensava, efêmeras fontes de informação infestadas de spam. Na verdade, o Twitter e o Facebook podem vir a ser o meio mais válido para se medir o eleitorado norte-americano, uma vez que os sentimentos nas mensagens de fato não faz muita diferença.

É verdade que nesse caso o exemplo dos EUA tem muitas assimetrias em relação ao Brasil, especialmente no que diz respeito à inclusão e ao letramento digital. E a diferença nos sistemas políticos também poderia vir a interferir nas métricas de análise de intenção de votos em redes sociais e tal. Mas é bem possível que com o tempo esse seja o cenário também por aqui, e é difícil deixar de pensar que na verdade estamos respondendo a pesquisas nas redes sociais o tempo todo – o segredo é só criar o formulário certo pra tabular o que já dizemos. Enfim, big data é isso.

sorria seus metadados são nossos

por T. C. Soares em 12 de agosto de 2013, zero comentários

Ficou encanado/a com o programa de espionagem online do Obama? Anda com o pé atrás com o TSE depois daquela história da Justiça Eleitoral repassar os dados pessoais de todo mundo pro Serasa? Começou a apagar o histórico de navegação do computador a cada meia hora? Em colaboração pro OPlanoB, a Marta Kanashiro, que acompanha bem de perto esse debate, comenta a lógica de rastreamento e cruzamento total de dados nos ambientes digitais – e o quanto isso nos afeta nas pequenas coisas.

 

Os debates sobre dados pessoais e espionagem que estouraram com o caso NSA/Prism são uma grande oportunidade para publicizar inúmeras questões.

Dentre muitas, uma recente matéria do Libération nos obriga a questionar o que Obama quer dizer quando afirma que a espionagem não afeta (ou seja, “não se dirige a”) cidadãos comuns (e é um pouco preocupante se isso te deixou aliviado ou esperançoso). Afinal, essa afirmação está bem próxima da ideia de que “se você não deve, não teme”. Em época de tantas divisões e construções de perfis, talvez devêssemos ficar mais atentos e não cair no conto de que os EUA estariam encontrando um equilíbrio entre segurança e privacidade que não atinge “a gente”. Afinal, quem define se você é vândalo? Ou manifestante pacífico? Ou terrorista? Ou cidadão de bem? Ou aliado? E note que a palavra perfil (“profile”, em inglês), não à toa, não é substituível por “representação”, ou “identidade”. Daria até pra dizer que o termo foi escolhido para que nos obriguemos a entender como é possível, a partir da pura relação entre dados, estabelecer perfis.

A explicação (um apelo) do Obama foi a seguinte: “… quero, mais uma vez, ressaltar que a América não está interessada em espionar pessoas comuns. Nossos serviços de inteligência estão focados em encontrar a informação necessária para proteger o seu povo e, em muitos casos, para proteger seus aliados ” – E deixamos todos com a angustiante necessidade de pensar se você se considera comum, aliado e pacífico, e com a curiosa proposição de atividade: qual perfil poderia ser traçado de tudo o que você faz e troca na internet?

Enquanto isso, no universo brasileiro, a gente bem que poderia perceber a proximidade que existe entre o Prism e o recente acordo revelado entre TSE & Serasa.

Aliás, deveríamos ficar muito atentos ao debate – que já promete sumir de cena – em prol de “uma eleição muito moderna!” Sim, porque afinal já vieram se explicar, não? O dano já foi revertido (bem, é o que nos dizem, apaziguando a coisa): a presidenta do TSE anulou o acordo com a Serasa e também nos garantiu que nenhum dado foi transmitido. Ufa! Podemos esquecer o assunto e respirar aliviados. Podemos? Talvez o papo por lá tenha sido o seguinte: “Apaga rápido esse incêndio, antes que comecem a questionar a urna biométrica. Pelamor, as eleições estão aí. Como vocês deixam aparecer um negócio desses justo agora que a gente estava promovendo o recadastramento de eleitores e a urna biométrica! Vocês sabem o quanto gastamos para enfiar aquele monte de propagandas na TV para promover esse processo?”

Mas ok, somos muito imaginativos. Um papo desses jamais deve ter acontecido. Ainda assim, vale a pena ao menos desconfiar um pouco, levar em consideração que as coisas não estão todas resolvidas e apontam problemas bem mais sérios, relativos a tudo que valeria em seus dados, cidadão comum.

Para quem tem interesse em se aprofundar no assunto ou ainda não entendeu o quanto valem seus dados e tudo que gira em torno disso (algo que, na verdade, não é sobre os SEUS ou os MEUS dados, mas que tem a ver, no grande cenário, com a lógica “informação = valor”) vale a pena ler o artigo Metadata or Content: NSA is not the only data collector you should fear. Mesmo que não dê para concordar com o texto quando diz “que devemos temer os coletores de dados”, ele é interessante para percebermos a necessidade de nos informar e perceber que já estamos participando disso. A matéria fala, entre outros, dos jogos e aplicativos que rolam dentro do Facebook: listando alguns como os Farmville, os Criminals da vida etc. E chama a atenção: “Cada vez que você autorizar um aplicativo ou jogo usando uma conta de mídia social, tire um tempo para saber quais metadados ou conteúdos você está se comprometendo a compartilhar”.

Marta Kanashiro é professora da Unicamp e membro da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (LAVITS)

botando ordem no bonde da vigilância

por Rafael Evangelista em 31 de julho de 2013, zero comentários

No mesmo dia que o Guardian revela a existência do XKeystore – tipo um super Google da espionagem (sim, eu sei que tem redundância aí) – um grupo de entidades – coalizão, dizem eles, baita palavra massa – lança o que seriam os princípios fundamentais para proteger os direitos humanos dos ataques da vigilância.

Os direitos humanos são um princípio interessante para conseguir algum norte em termos de o que é básico para se proteger. A declaração universal dos direitos humanos é um documento que goza de unanimidade e prestígio internacionais. É a partir dela que essa coalização propões alguns princípios para colocar ordem na casa da vigilância. Diz o comunicado da EFF:

Eles [os princípios] incluem requisitos que a lei de vigilância garanta que todas as interceptações sejam legais, e por um fim legítimo, necessário, proporcional e adequado; ser supervisionada por uma autoridade judiciária competente; incluem a transparência, notificações de usuários, sob supervisão pública e devido processo legal, proteger a integridade dos sistemas de comunicação e incluir salvaguardas dos direitos humanos contra o acesso ilegítimo e uso indevido de procedimentos de cooperação entre os Estados.

A liberação dos princípios vem na esteira de um relatório do Relator Especial da ONU sobre o Direito à Liberdade de Opinião e Expressão, que detalha o uso generalizado de vigilância estatal de comunicação. O relatório afirma que tal vigilância mina severamente a capacidade dos cidadãos de desfrutar de uma vida privada, de expressarem-se livremente e de desfrutarem de seus outros direitos humanos fundamentais. Recentemente, o Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay Nivay, enfatizou a importância da aplicação de normas de direitos humanos e as garantias democráticas para vigilância e atividades de aplicação da lei.

O documento foi o resultado de um ano de consulta da sociedade civil e especialistas em privacidade e tecnologia. Os princípios são co-assinados por mais de cem organizações de todo o mundo. Na liderança desse processo estiveram a EFF e a Privacy International.