Plataformas de vigilância do trabalho se tornaram o panóptico supostamente necessário

por Fabricio Solagna em 8 de outubro de 2024, Comentários desativados em Plataformas de vigilância do trabalho se tornaram o panóptico supostamente necessário

A vigilância e supervisão do trabalhador são formas tradicionais de extrair o máximo de mais valia no processo de produção desde o princípio da manufatura capitalista, as quais foram intensificadas posteriormente com o fordismo. A ideia é que cada minuto deve ser aproveitado, sem distrações. Em tempos de economia digital, com o trabalho remoto e vínculos trabalhistas frágeis, houve uma proliferação de softwares e plataformas que promovem a vigilância ostensiva sobre o trabalhador, a distância, a fim de supostamente garantir produtividade e reduzir o tempo ocioso remunerado.

Essas formas de controle podem operar no sentido mais genérico, permitindo o administrador estabelecer e controlar a jornada de trabalho ou de forma mais invasiva, controlando totalmente o dispositivo do trabalhador, coletando dados e evidências.

Imagem gerada por inteligência artificial generativa utilizando palavras-chave: vigilância, trabalho, IA, sul global

Há outras formas que podem funcionar para tentar prevenir supostas supostas ações suspeitas, que são consideradas como potenciais ameaça para a segurança do contratante, como roubo de dados corporativos.

É sobre esses softwares e tecnologias que se debruça uma pesquisa publicada por Fabricio Barili, vinculado ao Digilabour, projeto sediado atualmente na Universidade de Toronto – mas com origens no Sul do Brasil – e que foca em plataformas, dados e IA. O artigo foi publicado na International Journal of Communication, importante revista acadêmica com foco em assuntos relacionados à comunicação. Barili estudou duas plataformas de monitoramento: o Time Doctor e o Teramind. Ambas têm clientes globais e vendem seus serviços a partir de categorias de uso e possibilidades diferentes de vigilância.

Os bossware, como são chamados esses tipos de software, fazem parte de uma categoria não recente de algoritmos executáveis que rastreiam a interação homem-máquina. Eles podem funcionar através de sistemas biométricos, rastreadores ou sistema de IA que auxiliam a tomada de decisão. É a versão moderna do capataz, do encarregado, que se presta a controlar a massa laboral a favor da produção. Entretanto, os novos dispositivos, como os estudados por Barili, se diferenciam por interagirem com outros softwares ou plataformas – via APIs – e por incorporarem uma série de outros algoritmos de predição. Buscam assim coletar mais dados e aumentarem o grau de abrangência de suas análises. Além disso, não se vendem mais como simples espiões do patrão, oferecem um certo nível de transparência – como avisos, lembretes e análises coletivas e premiações individuais – a fim de aumentar a competitividade entre membros da mesma equipe.

Um relatório da Big Brother Watch, uma organização que luta por direitos civis em função da privacidade, faz um apanhado um pouco mais amplo desses sistemas e também aponta algumas orientações para minimizar os riscos e garantir direitos frente aos empregadores.

Como também demonstram outras pesquisas – como a de Le Ludec, Cornet e Casilli, do Instituto Politécnico de Paris, já abordado neste blog anteirormente – no cenário em que o trabalho está cada vez mais distribuído em diferentes espaços e países, as plataformas de monitoramento laboral adicionam só mais uma nova pitada de algoritmização opaca a fim de classificar, controlar e extrair mais valia, ofertando um panóptico plataformizado em prol da expropriação do trabalho.


Para ler o artigo: https://ijoc.org/index.php/ijoc/article/view/21365

Lavits

Esta nota faz parte do projeto “Inteligência Artificial e Capitalismo de Vigilância no Sul Global”, financiado pela Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade e realizado pelo Labjor - Unicamp | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo