Na gameficação, quem trabalha é você

por Rafael Evangelista em 10 de fevereiro de 2014, zero comentários

Gameficação é uma palavra que virou meio moda e que serve para marcar diversas iniciativas que fazem uso de componentes presentes em jogos para deixar legais algumas coisas chatas. Newsgames, por exemplo, seriam a criação de gráficos e elementos interativos que permitiriam um maior envolvimento do leitor na fruição de uma notícia. Aplicativos bem comuns como o Foursquare, tem elementos jogáveis, como aquelas tacinhas idiotas e o título de “prefeito” que você ganha por fazer check-ins sucessivos em alguns lugares.

Mas, amigos, no fim do ano o Google introduziu um joguinho de Android que deixou a parada meio séria.

O Ingress junta um mapa real das cidades, com as ruas, endereços e pontos turísticos e de lazer, com uma dimensão paralela jogável. Você interage nessa dimensão jogável, só que andando fisicamente pela cidade com seu celular e seu GPS ativados. As informações que você insere, contudo, “funcionam” no mundo real, são aproveitadas por outros aplicativos Google.

O enredo da brincadeira é mais ou menos assim. Tem uma energia ALIENígena pela Terra e a humanidade se dividiu em dois grupos: os enlighted (doravante denominados illuminati, pelo óbvio motivo de ser mais legal); e os resistance, a resistência. Os illuminati acham que essa energia pode ser uma boa e abraçam seu uso. A resistência é mais desconfiada e mandou um ~fora haoles~ para os aliens, combate a energia. Na verdade, essa história é um pretexto para dividir os jogadores em dois grupos e colocá-los em disputa.

A briga é em torno do domínio de “portais”, que são pontos turísticos da cidade, murais, grafites, bibliotecas, estações de ônibus e trem etc. Você bate uma foto e sugere que tal ponto seja um portal. O povo do Google aprova e aquele portal se torna disponível como neutro. A equipe que chegar primeiro, fisicamente, a esse portal passa a controlá-lo. À outra equipe resta fazer ataques periódicos a esse portal (também aproximando-se fisicamente) tentando dominá-lo – o que se resolve de acordo com a pontuação dos jogadores e o número de ataques, numa dinâmica de RPG.

Onde está o truque? Bom, com isso você passa a fazer check-ins frequentemente em vários pontos da cidade, check-ins que não faz no Foursquare, por exemplo, porque a gameficação ali é leve. Confira comigo o que diz esse analista sobre  o gás que o Ingress pode dar nos check-ins by Google:

“Embora os esforços anteriores do Google em serviços similares de check-in (como Latitude, e talvez o Hotpot) tenham sido abortados, Ingress é praticamente um gigante serviço de check-in. É um serviço de check-in em velocidade. No Foursquare o aspecto jogável é muito discreto (para não dizer que eles parecem estar se afastando dos elementos jogáveis), Ingress é um serviço de check-in que abraçou totalmente a ideia de competição entre os seus membros.”

Interessante ainda é a possível relação que o jogo pode estabelecer com alguns estabelecimentos comerciais. Mediante acordo financeiro, certas lojas poderiam se tornar portais, o que pode levar a um fluxo de pessoas a esses pontos. Estariam interessados no jogo, mas possíveis consumidores da loja.

“Ingress aparentemente semeou aproximadamente todos os 800 endereços da Jamba Juice [loja de sucos] como Portais. A não ser que você já tenha jogado o jogo, você pode não ver a implicação – este jogo realmente está dirigindo tráfego dos pedestres para lojas físicas de concreto!

Isso não é somente a construção de uma marca, isso aumenta a consciência da localização das lojas, assim como dirige tráfego real a elas.”

Na última semana, o Ingress adicionou uma nova modalidade de portal que retrata bem o objetivo de usar os jogadores como possíveis mapeadores de pontos turísticos ou de interesse. Isso aqui veio no último informe semanal do Ingress para os “agentes”.

“Então, o que se qualifica como um #PortalGem? É que o Portal que você anda até ele e diz: “Uau, eu nunca soube que existia isso aqui!” Ou “Essa descrição contém um fato muito legal e interessante que eu teria perdido se não fosse um Portal.” Para enviar uma #PortalGem poste uma foto, uma breve descrição e a localização de seu candidato a Portal no Google+. Certifique-se que a postagem é público e marque-o como #PortalGem e +NIAOps.”

Percebam que essa nova modalidade de Portal está especificamente voltada para mineração de um conhecimento que somente algum morador do local poderia ter. E, na dinâmica jogo, sugerir portais é uma ótima vantagem, pois os novos são mais fáceis de serem controlados.

Ou seja, você está lá jogando mas, ao mesmo tempo, também está: inserindo fotos e geolocalização de pontos turísticos a serem incorporados pelos serviços Google; repassando informações sobre fluxo em determinados pontos da cidade (eu, por exemplo, tenho atacado diversos portais que ficam no caminho entre meu trabalho e minha casa); e se torna alvo de uma publicidade muito bem focada e com alto potencial de retorno.

Aí vocês falam: “putz, Rafael, você também é chato pra cacete, é só um jogo inocente, os dados que eles utilizam são só uma contrapartida pela diversão que oferecem”. Pode ser, é natural pensar assim. Mas o ponto não é somente o jogo em si, é como o capitalismo informacional desse nosso tempo está se estruturando em esquemas como esse, em que a atividade (intelectual, os relacionamentos, o deslocamento físico) dos usuários dos sistemas são a força principal, a energia base, a partir da qual as empresas se valorizam e acumulam riquezas que, como sabemos, não vem do nada, são fruto de algum tipo de apropriação na ponta da cadeia.

Além disso, o debate sobre trabalho e diversão é extremamente atual. Todos queremos que nossos trabalhos sejam leves, fazer o que se gosta virou uma espécie de mantra para a geração que hoje entra no mercado de trabalho. Problema, resumindo, é que: nem todos podemos escolher nossos trabalhos tão livremente, isso normalmente é privilégio de uma classe; num trabalho “divertido”, em que aquilo “nem parece trabalho”, a relação trabalhista existente acaba nublada, o que é uma delícia para o patrão, que conta com uma força de trabalho que não se vê como trabalhadora mas “cumprindo uma missão de vida”. Porém, isso já é um assunto paralelo, embora tenha a ver com o tema do post. Então melhor recomendar dois textos sobre isso: este, em inglês, que trouxe o assunto à tona; e este, em português, que adicionou outra reflexão ao artigo original.

Ah… e no Ingress você me encontra com o user @ronniejamesdio e jogando pelos Illuminati 🙂

Como enriquecer fazendo filantropia (o truque mais antigo do manual)

por Rafael Evangelista em 13 de janeiro de 2014, zero comentários

Quando o tio Bill anunciou que daria um tempo como super comandante em chefe da Microsoft e se dedicaria a fazer o bem ajudando o povo da África você, cidadão de alma pura, logo pensou: “veja só, até que o mundo tem jeito, parou com a ganância e foi ajudar o próximo, que nerd gente boa!”.

Pois bem, problema é que as “boas intenções” e a grana da Fundação Bill e Melinda Gates estão sufocando o agricultor tradicional e ajudando grande empresas de fertilizantes, rações e suprimentos agrícolas em geral a expandirem seus negócios na África. Para poderem vender frangos “padrão KFC”, cada vez mais demandados pela classe média sul-africana (crescente em termos quantitativos e de peso), os agricultores estão sendo levados, via subsídios da Fundação Gates, a serem um elo na “cadeia de valor”, algo que ajuda a fortalecer a soja e variedades industrializadas de milho no continente.

O dinheiro gira, gira, gira mas quem ganha de verdade é a indústria dos EUA. “Como Bill Gates está ajudando a KFC a tomar a África de assalto”, escreve a Mother Jones.

“Para crescer, a KFC e outras marcas de fast food requerem um fornecimento estável de frango que atenda seus padrões específicos. Isso pode ser uma tarefa difícil para os pequenos produtores de frango da África. Em Gana, por exemplo, as galinhas locais não atendem às demandas da empresa por qualidade. O Wall Street Journal informou recentemente que, para a KFC, os agricultores de Gana não são “profissionais o suficiente”, o que obrigaria os proprietários das franquias a comprar produtos importados caros.

Mas onde os pequenos agricultores estão devendo, os grandes produtores de frango da África estão tendo sucesso. Eles estão demandando mais e mais rações de alta proteína, especialmente baseadas em soja. A Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USaid) e a Fundação Gates vêem isso como uma oportunidade para os pequenos agricultores se eles puderem ser convencidos a adotar novas culturas agrícolas. Para fazer isso, a USAID e Gates estão bancando empresas para construir o que os especialistas chamam de relações de negócios entre “cadeias de valor” que ligam os pequenos agricultores e os vendedores de insumos agrícolas (como fertilizantes), de um lado, e grandes compradores de milho e soja do outro. Esses compradores transformam esses produtos em ração e, em seguida, os vendem para grandes atacadistas de frango, que estão apostando seu futuro crescimento no fornecimento para a expansão africana da KFC”.

A coisa com a Fundação Gates na África cheira mal faz um tempo, já alertavam organizações políticas internacionais mais escoladas em lidar com bilionários e suas instituições filantrópicas. Peguem um trecho de texto que escrevi lá em 2007, que dava conta das ligações de Gates com o lobby pró-trangênicos e das grandes indústrias de alimentos. Foi publicado na Revista Fórum:

Primeiro foi Robert Horsch que deixou, no ano passado, a vice-presidência de parcerias internacionais da Monsanto para se dedicar a projetos da Fundação Bill & Melinda Gates na África. Em março, foi a vez de Lawrence Kent juntar-se ao time, deixando a diretoria de programas internacionais do Donald Danforth Plant Science Center, instituto de pesquisa fundado e mantido com verbas da Monsanto. Sob os auspícios da mais rica fundação filantrópica do mundo, ambos devem continuar insistindo na iniciativa que os notabilizou nos últimos anos: a tentativa de introdução de transgênicos no continente africano.

(…)

Questionada pelo jornal Seattle Times, em 17 de outubro de 2006, sobre se está passando a advogar pelas sementes geneticamente modificadas, a Fundação responde apenas que “quer perseguir qualquer opção que possa levar a atingir seu objetivo de aumentar a produtividade agrícola em países pobres”. A lista de novos funcionários ajuda a corroborar a idéia de que a biotecnologia é, para os Gates, a escolha da vez. Ela inclui, além dos ex-Monsanto, o ex-presidente da Alta Genetics, uma empresa canadense de biotecnologia, (a maior em inseminação artificial bovina do mundo), e o ex-diretor de pesquisas da gigante farmacêutica GlaxoSmithKline.

Sim, amigos, capitalismo e suas relações para o alto e avante.

algum dos amigos teria vindo do futuro?

por T. C. Soares em 6 de janeiro de 2014, zero comentários

Cientistas vasculharam a web atrás de internautas viajantes do tempo.

(…) Físicos buscaram na internet do presente mensagens prevendo eventos futuros, esmiuçando Twitter, Facebook, Google, Google+ e Bing. Eles usaram esses serviços para verificar se alguém teria mencionado o Papa Francisco ou o cometa ISON antes desses termos existirem, analisando (o acervo da web durante) o período entre o início dos 2000 e meados de 2013. A idéia era que ambos os termos representariam grandes eventos sobre os quais viajantes do futuro se interessariam em conversar com alguém online. Mas nada foi encontrado.

Isso não significa que viajantes do tempo não existam, diz o autor do estudo, Robert Nemiroff, um físico da Michigan Technological University. De todo modo, esse é o maior estudo do tipo já realizado, e sugere que se há viajantes do tempo entre nós eles não estariam tuitando sobre o que teriam visto no futuro, afirmou Nemiroff.

Essa não é a primeira vez que alguém investiga provas da existência de viajantes do tempo. Stephen Hawking, por exemplo, deu uma festa para viajantes do tempo em julho de 2012, e só enviou os convites depois. Infelizmente, ninguém apareceu.

Caso não esteja 100% convencido, o estudo pode ser lido no arXiv.org.

(Da Popular Science)

don’t be (an) evil (robot)

por Rafael Evangelista em 23 de dezembro de 2013, um comentário

Dias desses rolou o comentário acima na minha timeline do twitter, altamente retuitado. E pra além da galhofa ele sinaliza duas coisas acontecendo com o Google: um aprofundamento da investida em um futuro singularista kurzweiliano (já explico); rachaduras na imagem pública de empresa boazinha da empresa, quase impensável há alguns poucos anos.

Singularismo kurzweiliano: Ray Kurzweil, recentemente contratado pelo Google, é o principal ideólogo de uma corrente do transhumanismo chamada de Singularidade, que basicamente crê (ou prevê), um futuro em que aconteceria uma fusão entre homens e máquinas tão radicalmente significativa que seria literalmente um salto evolutivo da humanidade. Sim, no sentido darwiniano, ou seja: macaco -> homem -> robô (desculpa aí a super-simplificação, amigos biólogos).

Não que o Google esteja passando por algum tipo de ruptura do tipo “era bonzinho no passado mas traiu o movimento e se vendeu pro grande capital”. Neste texto aqui exploro mais longamente as relações ideológicas que vejo entre essa galera do Vale do Silício e os singularistas.

A questão é que a Singularidade de Kurzweil passaria por três campos principais: a biotecnologia, a inteligência artificial e a nanotecnologia. O investimento nessas áreas seria mais do que a produção de um futuro desejável – na visão deles -, uma utopia tecnológica em que quase todos os problemas humanos seriam resolvidos (meio ambiente, racismo, intolerância, doenças). Seria uma oportunidade de negócios.

Pois bem, o Google adquiriu agora a Boston Dynamics e, rapaz, a Boston Dynamics faz coisas assustadoras viu. Digo, procurem por vídeos dos robôs feitos por eles. Impressionam, sim, pelo grau de avanço mas, principalmente, porque a Boston tem entre seus principais clientes o setor militar. Ou seja, são robôs parrudos, feitos para andar em campos de batalha bastante inóspitos. E são robôs fortes e grandes, sim como os do Exterminador do Futuro mesmo.

Aparece então uma contradição interessante com a história criativa do Vale do Silício. O financiamento militar foi algo que uma primeira geração — mais hippie, mas altamente influente — rejeitou muito. Colaborar com os militares era o exato contrário do que desejava um movimento que tinha como uma de suas bases a rejeição das hierarquias e do poder. Porém, como se sabe, as gerações nerd-hippies seguintes não se mostraram tão firmes assim na rejeição ao militarismo e, principalmente, da ganância.

A aquisição da Boston Dynamics talvez sirva para marcar que, hoje, o Vale do Silício tenha mais a ver com esse futurismo acelerado do Kurzweil do que com a imagem de hippie paz e amor que eles buscaram projetar. Ou pelo menos que não há, na cabeça deles quando repousada no travesseiro, contradição nisso tudo.

Usando a Boton Dynamics como gancho, os amigos do CubaDebate (¡Hasta la victoria siempre!), baseados num analista do The Motly Fool (vejam a ironia), mandaram uma lista do que seriam os… PASSOS PARA O DOMÍNIO GLOBAL. Vou manter em castellano, que é mais massa e vocês entendem.

1. Control sobre el flujo de información
O buscador, basicamente, e todas as informações sobre nós que ele captura

2. Control sobre el acceso a la información
Também o buscador, mas também o Android – hoje dominante nos celulares – e o Google Glass

3. Control sobre el transporte
As experiências com carros automáticos, sem motoristas

4. Control del mercado de labor física
Aqui a coisa fica mais interessante, porque não é só ver os robôs fazendo guerra mimimi, significa vê-los substituindo a força de trabalho.

Boston Dynamics, que ha sido la octava empresa que Google ha adquirido este año, es famosa por crear los robots más avanzados del planeta. Aunque lo único que por el momento estas máquinas saben hacer es andar y correr igual que personas y animales, de igual manera algún dían podrán aprender a hacer otras tareas, como preparar una cena perfecta, por ejemplo. “Poco a poco los robots se ocuparán de toda labor física, dejando la intelectual a los humanos. Es ahí donde Google “será implantado en la infraestructura económica mundial”, señala Planes.5. Control sobre la vida en sí

5. Control sobre la vida en sí
Aqui vejo os olhinhos do Kurzweil brilhando. Biotec:

En septiembre Google anunció la fundación de Calico, una empresa que se dedicará a la investigación del envejecimiento, la longevidad y la búsqueda de maneras de aumentar la duración de la vida. “Todas las ambiciones son pálidas en comparación con esta”, dice Planes. “Con esta solución en las manos, Google controlará no solo tu acceso a la información, sino también cuánto tiempo podrás vivir para acceder a la misma”.

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E vamos com uma cereja nesse bolo. Em casa (San Francisco), as coisas não estão bem. O hype em torno do Vale do Silício significou um baita processo de gentrificação na área. Todo aspirante a Steve Jobs-Larry Page busca estar na região para fazer contatos e vender seu peixe. Resultado: os aluguéis subiram e continuam subindo e tem muita gente boa – e com um jeito alternativo de viver muito mais tradicional – sendo expulsa da região.

Pra se ter uma ideia, dia desse o Cory Doctorow (outro guru do Vale) retuitou o seguinte, vindo do Boing Boing: um dormitório coletivo para ~hackers~ em San Francisco por “meros” mil doletas por mês.

https://twitter.com/BoingBoing/status/414579079883395072

No último dia 20 alguns locais mais radicais chegaram a parar um ônibus que levava funcionários do Google para seu ~QG~ para protestar contra gentrificação (mas também contra o rompimento de um estilo de vida mais sossegado). Quebraram o vidro do ônibus e estenderam faixas com frases gentis como GOOGLE FUCK OFF e, a mais divertida, TECHIES: Your World Is Not Welcome Here. Choque cultural, amigos.

minha privacidade pela sua propriedade intelectual, topa?

por Rafael Evangelista em 8 de novembro de 2013, zero comentários

A dica vem do tuíter no @evgenymorozov (que diz que o texto nem é tão bom – verdade – mas ressalta o papel da “Internet” na narrativa do texto, que é naturalizada, vira uma força da inexplicável natureza ).

Começa assim (Privacy Isn’t a Right, na Slate):

A privacidade não é mais um direito. Nós a vendemos por fotos de gatinhos e pela possibilidade de dizer a todos do mundo do mundo livre o que comemos no café da manhã.

Não também estou dizendo que é uma troca ruim. A internet como a conhecemos aconteceu pela monetização da informação-metadados sobre nós – em lugar de replicar o modelo tradicional de venda de conteúdo. Como resultado a internet explodiu numa pletora de serviços úteis e plataformas em todos os formatos e tamanhos. Mais ainda,  foi uma igualadora – ninguém tem informação pessoal que vale mais do que a de outros, assim todo mundo foi capaz de trocá-la pelo mesmo tipo de serviço.

O problema nisso tudo é que privacidade é uma noção da qual se abdica no momentos em que você aperta “concordo” no acordo de serviços que você não leu. E, apesar de os consumidores não terem percebido isso, seus dados deixaram o restaurante e lhes sobrou a conta.

Bom, é difícil conseguir estar tão certo e ao mesmo tempo tão errado como Josh Klein. O problema – do texto inteiro – é o excesso de simplificação e a visão de indivíduo consumidor contida no artigo todo – além de colocar a internet como força da natureza, como bem nota o Morozov.

Por que ele está em parte certo? Porque o raciocínio de que a informação sobre o usuário – individulizada ou usada coletivamente como metadado – é a força motora, o combustível mesmo, desse capitalismo internético é bem forte. Não é exatamente nova, um monte de autores já trabalharam sobre isso, mas é interessante que seja colocada claramente, dessa forma, com exemplos bobinhos mas palpáveis. O texto é uma versão resumida do livro Reputation Economics, que tem toda cara de ser aquela literatura de aeroporto mal-fantasiada de cabeçuda.

Mas está muito errado em trezentos outros pontos, a começar por descartar isso que ele chama de privacidade como um direito. Primeiro porque dizer que a foto do café da manha que você mete no instagran é algo privado é complicado. Por um lado, sim, se sou uma pessoa muito restrita, apenas adiciono meia dúzia de conhecidos nas minhas redes e google/microsoft/facebook usam essa informação nos metadados que eles vendem por aí ok. Mas a maioria das pessoas tem uma rede ampliada de contatos e a foto do café da manhã serve, concretamente, como indicação de um determinado serviço. É o mesmo quando coloco o vídeo de uma banda que gosto, e que poucos conhecem, e os conectados comigo vão lá pesquisar sobre a banda. Nesse momento a rede social não funciona só para relacionamentos pessoais, ela é como uma revista que te indica um filme, um livro ou um show. E aí, meus caros, não é a minha privacidade que foi pro mercadão, é minha “propriedade intelectual”.

Vamos dimensionar isso? É fácil dizer que “a privacidade está morta”, como tem sido repetido exaustivamente por aí, até mesmo por gente que busca resgatá-la como direito. Muito mais incomum é você ler que “a propriedade intelectual está morta”. E seria um jogo bem massa de se jogar, eu topo tornar a propriedade intelectual um bem comum. Que tal?

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Vale destacar ainda dois méritos do texto do Klein.

Um é que ele aponta, lá no final, para uma possível “renegociação” dessa relação entre sites e usuários, de modo que as grandes empresas de internet ofereçam mais em troca do que obtém. É uma pena que a coisa é colocada sempre do ponto de vista do consumidor individualizado, que deveria, segundo ele, tornar mais difícil o acesso a seus dados, usando de VPNs e criptografia, para que as empresas subam o “preço” pago. Seria bem mais interessante entender isso como direito e como produção coletiva, apontando para mudanças nas relações sociais que efetivamente reconheçam isso.

Outro mérito são exemplos de patentes de modelos de negócio/tecnologias que ele dá. Um par delas, da Microsoft:

“Vejamos um par de patentes que a Microsoft pediu alguns anos atrás. Descrevendo genericamente, a primeira permite que a companhia coloque um número na habilidade de qualquer identidade [pessoa] em influenciar os outros em determinado tópico. Então, para a palavra queijo você pode ter um score de 88, porque você mantém um blog popular sobre queijos. Ao mesmo tempo, eu posso ser intolerante à lactose e ter um score de 17. A segunda patente é mais interessante, ela permite que a Microsoft coloque, dinamicamente, preços em serviços ou bens baseando-se naquele seu score.

Isso significa que, se você vai comprar um queijo online a Microsoft pode perguntar à Kraft se ela quer te dar um grande desconto no queijo, esperando que você faça uma boa resenha sobre os queijos dela e que as vendas subam. Do mesmo modo, se eu quero comprar queijo ela pode perguntar à Kraft se quer jogar o preço lá em cima, de modo que eu me sinta desestimulado a comprar, poupando-a de uma resenha potencialmente embaraçosa.”

Sacaram? É como aquelas banquinhas que dão um preço de acordo com o cliente. Mas numa versão muito mais anabolizada e complexa, com uma forte assimetria de informações entre comprador e vendedor e implicações éticas bem complexas.

escutando a wikipedia

por T. C. Soares em 1 de novembro de 2013, zero comentários

Há uns meses, falamos no PlanoB sobre um projeto que, desenvolvido por dois programadores, oferecia em tempo real um mapa das edições em verbetes da Wikipedia ao redor do mundo. Esses dias descobri que os mesmos desenvolvedores criaram, a partir de um cruzamento de metadados similar, um projeto derivado – agora, porém, baseado na expressão sonora da atividade de editores e editoras wikipedianos.

Chamada “Listen to Wikipedia” (em português, “Escute a Wikipédia”), a proposta é baseada num site que oferece, a cada nova edição ou cadastro, a modulação de uma nota diferente. O resultado é mais ou menos como música de meditação, e é muito massa.

Dá pra ouvir e ver aqui.

Listen_To_Wikipedia

 

Da The Verge.

olá skynet

por T. C. Soares em 16 de outubro de 2013, zero comentários

Os pesquisadores das Forças Armadas dos Estados Unidos querem criar máquinas que atacam por vontade própria.

A ameaça que realmente deixa futuristas preocupados são os robôs letais autônomos — uma distinção fundamental que tem a ver com máquinas totalmente autônomas capazes de matar por conta própria, sem qualquer intervenção humana. Neste ponto, não há como dizer se esses robôs serão algum dia usados no campo de batalha; de todo modo, de acordo com um relatório do ex-analista de inteligência Joshua Foust publicado no Defense One este mês, isso seria algo que os EUA considerariam seriamente.

Segundo Foust, engenheiros e políticos trabalham no estudo e desenvolvimento de drones cada vez mais autônomos, que poderiam, eventualmente, lançar um míssil contra um alvo a partir de sua própria percepção. Enquanto essa tecnologia ainda não existe, os avanços na inteligência artificial sugerem que é apenas uma questão de quando — e não se — a DARPA (a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos EUA) passará a trabalhar no desenvolvimento de máquinas inteligentes que imitam o cérebro humano. A idéia é que esses artefatos futuristas sejam não só capazes de aprender e pensar como um ser humano, mas que tomem decisões em tempo real, com base no que está acontecendo ao seu redor.

Certamente é algo que não tem como dar errado.

Via Motherboard.

a rede mundial de computadores quer se tornar mundial

por T. C. Soares em 12 de outubro de 2013, um comentário

As principais instituições de governança da Internet anunciaram o fim de relações exclusivas com o governo dos EUA.

Os diretores da ICANN, da Internet Engineering Task Force, do Internet Architecture Board, do World Wide Web Consortium, e da Internet Society, bem como todos os cinco registros regionais de endereços da Internet, se comprometeram a dar fim às suas associações ao governo dos EUA.

Em um comunicado, o grupo pediu a “aceleração da globalização das funções da ICANN (Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números) e da IANA (sigla para Autoridade para Atribuição de Números da Internet) no sentido de um ambiente no qual todas as partes interessadas, incluindo todos os governos, participem em pé de igualdade”.

É uma mudança considerável em relação à situação atual, na qual o Departamento de Comércio dos EUA tem o poder de supervisionar a ICANN.

É difícil imaginar que essa movimentação aconteceria sem as revelações de Edward Snowden e toda a história a respeito da espionagem online de usuários e governos feita por países como EUA e Canadá. E é certo que esse redesenho das estruturas institucionais de governança dará um bom tanto de peso à conferência global sobre gestão da Internet a ser sediada no Brasil, em 2014.

Da Wired UK.

cientistas também leem a wikipédia

por T. C. Soares em 30 de setembro de 2013, um comentário

Um projeto oferecerá a estudantes de medicina a chance de rechear seu histórico escolar contribuindo com a Wikipédia.

Os estudantes de medicina da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF) poderão de obter créditos acadêmicos de uma fonte improvável: a Wikipedia.

Em uma disciplina experimental a ter início em dezembro, alunos do quarto ano sob a tutela do professor clínico Amin Azzam serão encarregados da redação, edição e monitoramento de entradas da Wikipedia clinicamente relevantes. Os alunos trabalharão à distância, com professores auditando suas edições e seu progresso. Cerca de oitenta verbetes serão revistos: os mais populares, mas ainda inferiores em termos de qualidade segundo o próprio sistema de classificação da Wikipedia.

Para que isso aconteça, a UCSF está trabalhando em conjunto com a Wiki Foundation Med Project, uma organização sem fins lucrativos dedicada à manutenção de recursos educacionais de alto padrão na área médica, numa atuação voltada ao oferecimento desses recursos em vários idiomas. “Sabemos que quase todos os estudantes de medicina usar a Wikipedia,” afirmou à UCSF James Heilman, presidente da fundação. “E queremos que quase todos estudantes de medicina contribuam com a Wikipedia.”

A ideia de acadêmicos dando chancela a colaborações na Wikipedia soa meio incomum, mas ao que tudo indica a iniciativa da UCSF tem a ver com um certo movimento de aproximação entre a comunidade wikipediana e alguns pesquisadores tradicionais. Em 2010, por exemplo, a Nature já noticiava as ações de um grupo de cientistas ingleses que trabalhava, junto às comunidades da Wikipedia, em ações voltadas tanto à divulgação científica como à sistematização de dados.

Via Motherboard.

o monopólio da publicidade online e a vigilância econômica

por Rafael Evangelista em 19 de setembro de 2013, zero comentários

A descoberta das práticas de espionagem eletrônica da NSA, assim como das parcerias que a agência do país obâmico vem estabelecendo há anos com gigantes do Vale do Silício como Google, Apple e Microsoft, deram uma noção para o ~amigo internauta~ sobre como as conversas (e tudo mais) na rede estão expostas.

Mas uma dimensão menos famosa da vigilância, a vigilância econômica – ou o lucro que as têm ao monitorar e vender anúncios a partir do que se faz na rede – é bem menos conhecida. E, ao que parece, é meio que bem oligopolizada. Lendo esse artigo aqui (Web 2.0, Prosumption, and Surveillance) descobri que, no caso dos anúncios tipo adsense o controle é quase total do Google. Isso via duas empresas, a DoubleClick (que eles compraram em 2007) e o próprio Google Adsense. Só esta última é usada por 75% dos sites. A primeira, é líder entre os sites de alto tráfego. O dado vem daqui, atualizado diariamente.

O problema desse monopólio? O artigo que citei inicialmente classifica alguns, que corto/colo/traduzo pra vocês:

Ameaça pelo poder ideológico: a publicidade on-line apresenta certas realidades como importantes para os usuários e deixa de fora aquelas realidades que não são de caráter corporativo ou que são produzidos por atores que não têm o suficiente capital para comprar anúncios online. Um monopólio de publicidade on-line, portanto, avança em direção a uma realidade unidimensional.

Ameaça pelo poder político: na sociedade moderna, o dinheiro é uma forma de influência sobre o poder político. A concentração de publicidade on-line, portanto, dá Google enorme poder político.

Controle de padrões e preços de trabalho: o monopólio da publicidade online tem o poder de definir normas de trabalho ampliadas e os preços da indústria . Isso pode representar desvantagens para os trabalhadores e consumidores.

Ameaça pela centralização econômica: um monopólio econômico controla grandes quotas de mercado e, assim, priva outros atores de oportunidades econômicas.

Ameaça da vigilância: a publicidade online direcionada é baseada na coleta de grandes quantidades de dados pessoais, de uso e comportamentais que são então armazenados, analisados e repassados aos clientes de publicidade. As sociedades modernas são estratificadas, o que significa que certos grupos e indivíduos competem com outros para o controle de recursos , consideram os outros como seus adversários, beneficiam-se de certas circunstâncias a custo de outros e assim por diante. Como resultado , as informações sobre preferências pessoais e comportamentos individuais podem causar danos aos indivíduos se ficarem nas mãos de seus adversários ou outros que possam ter interesse em prejudicá-los . Coleta de dados em larga escala e vigilância em uma sociedade baseada no princípio da competição traz certas ameaças ao bem -estar de todos os cidadãos . Portanto, mecanismos especiais de proteção da privacidade são necessários. . Todos os grandes conjuntos de dados contém a ameaça de serem acessados por pessoas que querem prejudicar outras. Se essas coleções são de propriedade privada , então o acesso aos dados pode ser vendido porque há um interesse econômico em acumular dinheiro. Os seres humanos que vivem em sociedades modernas têm um interesse intrínseco em controlar quais dados pessoais sobre eles são armazenados e estão disponíveis para quem; porque estão enfrentando ameaças sistêmicas de serem prejudicados por outros. Sob as circunstâncias modernas atuais, grandes coleções de informações pessoais representam a ameaça de danos para os indivíduos porque os seus inimigos, adversários , ou rivais na vida privada ou profissional podem, potencialmente, ter acesso a esses dados. Desde 11/9 , tem havido uma extensão e intensificação da vigilância de Estado com base no argumento de que a segurança contra o terrorismo é mais importante do que a privacidade. Mas a vigilância do Estado é tendente a falhas, e o acesso de instituições do Estado a grandes coleções on-line sobre os cidadãos (como, por exemplo, a permitiu pelo Patriot Act dos EUA ) não só coloca a possibilidade de se detectar terroristas, mas também o risco de que um grande número de cidadãos sejam considerados como potenciais criminosos ou terroristas sem terem cometido nenhum crime; bem como a ameaça de que o Estado obtenha uma enorme quantidade de informações sobre a vida privada dos cidadãos que venha a considerar que sejam de armazenamento necessário (como opiniões políticas, decisões de voto , preferências sexuais e relacionamentos; e ligações de amizade).