Pra responder de chofre à pergunta do título: diaspora* é uma rede social, com nós distribuídos, feita e licenciada com software livre.
Mas essa resposta curta é insuficiente pra dimensionar a importância de um projeto desses (que não é o único, olha lá no fim do texto) e pra fazer frente ao amontoado de matérias bobocas que tratam da história do projeto como fofoca (não vou linkar, busquem aí que vocês encontram. melhor, conto a fofoca: o projeto estava no kickstarter; arrecadou 200 mil doletas; muita expectativa foi gerada porque ele “derrubaria o Facebook”; um dos garotos fundadores do projeto se matou; os fundadores partiram para outro projeto).
Mas a beleza da coisa – e sua força – é que nada disso é importante. Como se trata de um projeto em software livre, ele não morre. Se a comunidade o abraça, se um grupo de malucos acredita na sua importância, eles continuam trabalhando no código e permitem sua sobrevivência e bola pra frente. Vou explicar melhor.
diaspora* é uma rede social. Funciona como o Facebook, ou como funcionava o Orkut, você adiciona pessoas que também se cadastraram, que fizeram uma fichinha lá, e compartilha seus vídeos, insights, dá joinhas (no caso coraçõeszinhos s2), platitudes, indignações etc.
Mas o diaspora* é descentralizado. Isso quer dizer que você não preenche essa fichinha num servidor central, você faz o seu cadastro em um dos chamados “pod”. Pods são as diversas instalações do diaspora*. Por exemplo, no estou registrado como r_evangelista@joindiaspora.com. Joindiaspora.com é o meu pod, é o servidor que usei pra fazer o meu cadastro. Isso não quer dizer que eu só converso com as pessoas que estão no mesmo pod que eu, ele é só uma referência. Na rede, todos falamos com todos.
Aqui uma lista de pods do diaspora*: http://podupti.me/
E a ideia é que qualquer um possa ter um pod. Individualmente isso pode ser difícil, manter um servidor e tal, mas há pods públicos e organizações e movimentos sociais são ótimos candidatos a hospedeiros de pods. Escolher um bom pod é crucial, pois isso vai pesar na sua velocidade de acesso e garantir que seu perfil não “suma” (hoje é possível baixar todos os dados de seu perfil que você subiu, mas subir isso de novo é uma funcionalidade que não está pronta).
Você pode pensar: “cara, que saco, tenho que me preocupar com isso”. Isso é independência, autonomia. É justamente a falta disso que criticamos em projetos como o do MarkZuck, que centraliza os dados, não é nada transparente e vende nossas interações e produções por aí. Isso quando não manda tudo direto pro escaninho da NSA.
Aliás, ATENÇÃO SOCIAL MEDIAS E BLOGUEIROS, uma outra beleza do software livre. De uns anos pra cá todo mundo começou utilizar o Facebook como a grande ferramenta de distribuição ou mesmo a migrar suas produções pra lá. No começo era tudo lindo, você postava os bagulho, ele distribuía pra quem te deu joinha e nem te dava trabalho administrar os comentários, que ficavam por lá mesmo.
Só que, faz uns meses, a teta começou a secar. Em lugar de distribuir os conteúdos para todos os seus assinantes o Facebook começou a controlar isso e a cobrar pra que esse conteúdo tivesse distribuição maciça. Mesmo pessoas físicas, indivíduos, começaram a ver seus posts atingirem só uma parte dos amigos, enredados no algoritmo fechado de distribuição do MarkZuck, que limita as interações as amigos com quem você usualmente tem mais contato.
Bom, essa treta toda não rola em redes livres. Isso porque o código não é controlado comercialmente, ele é aberto e livre, você pode entender como essa mensagem está sendo distribuída. Então, se você é um blogueiro, uma organização ou uma empresa, pode estar certo que você vai saber como e quando essa mensagem chega a seus seguidores.
Livre
Quando os garotos criaram o projeto eles usaram a AGPLv3 que é das licenças mais bacanas do software livre. Isso porque qualquer pessoa ou grupo de pessoas pode pegar esse código, olhar como funciona, melhorá-lo e botá-lo no mundo de novo. Por isso o diaspora* não morreu e não vai morrer enquanto não houver gente que goste dele. Isso está nas regras, na licença, a única obrigação imposta pela AGPL é que, assim que você colocar publicamente a sua versão melhorada do software você não impeça outros de pegarem a sua versão, usarem como entenderem eventualmente a melhorarem também.
O diaspora* não é perfeito, longe disso, tá cheio de arestas e faltam coisas. A questão da impossibilidade de fazer o upload do seu perfil em um novo pod é um exemplo. Mas, quando se trata de um projeto assim, é só o uso que vai produzir a melhoria do software. Mais gente na rede, mais usuários, mais desenvolvedores interessados em melhorar e produzir coisas pra essa plataforma pública.
Redes federadas
Fui bem injusto neste texto porque falei do diaspora* desde o começo e deixei pra falar do Noosfero no final. Enquanto o diaspora* era só uma ideia louca na cabeça de uns gringos, uns brasileiros muito ponta firme já estavam fazendo praticamente a mesma coisa e desenvolvendo uma rede social livre que hoje é usada por milhares de pessoas, principalmente por organizações sociais. Tô falando do Noosfero. Aqui um trecho de uma matéria que escrevi sobre os caras lá em 2010:
Que tal ter um Facebook ou um Orkut só pra você, tendo controle total dos dados que são trocados e garantindo a privacidade dos usuários? Sua empresa ou sua ONG trocando informações tendo assegurado o sigilo e podendo fazer buscas que mostram de que os usuários mais gostam, quais suas preferências ou afinidades? Isso é possível com o Noosfero, rede social utilizada pelo Fórum Internacional de Software Livre e desenvolvido pela cooperativa Colivre. Como o Noosfero é livre, qualquer um pode baixar e instalar onde quiser, montando uma rede social particular, mas aberta à interação com outros sistemas.
Segundo Vicente Aguiar, gestor de projetos da Colivre, a concepção do Noosfero veio de uma perspectiva política, em que é importante manter a internet livre. “As soluções proprietárias em rede social, como Facebook e Orkut, ao se disseminarem, obstaculizam o avanço e a manutenção de uma internet livre. O projeto dessas empresas não é que você acesse à internet em sua diversidade, mas se concentre nas soluções proprietárias, que se navegue nos ambientes dessas empresas. É um projeto de expansão monopolista da internet. ‘Use Facebook, use Google’, é o conceito de software proprietário aplicado à internet.”
Para os movimentos sociais, em particular, isso seria particularmente mais nocivo. “Você não sabe como esses sistemas sociais são feitos, se os dados são rastreados ou não, quem está ganhando dinheiro em cima do conhecimento de suas preferências.” Ele enfatiza também as vantagens para os usuários comuns: “Você não é submetido àquelas propagandas indesejáveis”. Um governo poderia usar os dados para melhorar as políticas públicas.
Uns parágrafos depois, lá no final da matéria, comento que no horizonte dos caras estaria o que seria um salto gigantesco para uma internet livre: a integração entre as redes sociais livres. Para que uma se comunicasse com a outra, para que o diaspora* falasse com o Noosfero, que falasse com o n-1, que falasse com o Saravea. Infelizmente, essa coisa ainda engatinha. Só que isso não pode ser um obstáculo, todo usuário a mais em uma rede livre é um empurrão pra frente, é um estímulo a que mais gente busque e troque conteúdo em ambientes não proprietários, que tendem a se integrar em federações de redes que querem se falar.
À luta companheiros, as fotos de bichinhos fofos farão a revolução.