Netflix joga entre entretenimento e big tech para desfilar no tapete vermelho do Oscar (e desviar da regulação)

por Fabricio Solagna em 11 de outubro de 2024, Comentários desativados em Netflix joga entre entretenimento e big tech para desfilar no tapete vermelho do Oscar (e desviar da regulação)

A Netflix, uma das maiores plataformas de streaming do mundo, tem investido fortemente em produções próprias, tanto em lançamentos globais como em mercados locais. As suas estratégias tem chamado a atenção por conseguir competir com grandes estúdios de Hollywood.

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Foi o que ocorreu no México com o filme Roma, um longa-metragem, produzido em preto e branco, que retrata a história de uma empregada doméstica (Yalitza Aparicio como Cleo) numa casa de classe média no bairro Roma, na Cidade do México. O drama, vencedor de três Oscars, foi um pivô para impulsionar diferentes objetivos da Netflix.

O filme “funcionou como uma estratégia para quebrar as regras e o domínio da distribuição global de Hollywood”, escrevem os pesquisadores Rodrigo Gómez e Argelia Muñoz Larroa, do departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Autónoma Metropolitana-Cuajimalpa, na Cidade do México. O artigo foi publicado na revista Television & New Media, publicação na área de televisão e novas mídias.

Os autores enfatizam o quanto a distribuição tradicionalmente é o principal lugar de poder e lucro, em detrimento da produção em si. Porém, a entrada da Netflix neste cenário, segundo eles, altera a equação, principalmente quando a empresa decide investir boa parcela do seu faturamento em novas produções, para além do licenciamento, entrando no terreno adversário. A estratégia significa jogar nos dois campos, assim conseguindo reconhecimento local e global.

A sua expansão nos mercados emergentes, principalmente na América Latina, é notável. A empresa se vale do seu grande catálogo e da rede de CDNs para firmar acordos com provedores que oferecem assinaturas em seus serviços. Os CDNs são servidores especiais que armazenam e distribuem conteúdo multimídia, localizados estrategicamente em backbones ou pontos de troca de tráfego.

Essa transformação na Netflix, tornando-se uma empresa de entretenimento, e que tem marcado a última década, pode ter também outras motivações. A empresa se intitulava como uma plataforma de tecnologia, que utilizava inteligência artificial para alimentar seu algoritmo de recomendação e passou por muito tempo alimentando o mito do big data. “Houve um reposicionamento estratégico de empresa de tecnologia para empresa de entretenimento, com cada vez mais valorização da escolha humana e a intuição”, segundo a pesquisadora Karin van Es, professora associada de Estudos de Mídia e Cultura da Universidade de Utreque, em outro artigo publicado na mesma revista, em 2023.

O discurso utilizado em propaganda ou nos discursos de seus gestores, apontando que a capacidade de fazer sugestões de qualidade dependia do seu bom algoritmo, tem sido minimizada ou substituída por uma valorização da curadoria humana.

Essa ambivalência entre entretenimento e empresa de tecnologia é percebida também como uma forma de se esquivar de regulações específicas e continuar se expandindo. Aqui no Brasil, por exemplo, se discute uma lei que visa cobrar uma taxa das plataformas de vídeo sob demanda, que pode atingir até plataformas de redes sociais como TikTok.

A depender de como sopram os ventos por algum tipo de regulação, as plataformas tendem a se adequar – ou se moldar – para fugir de qualquer tipo de obrigação.


Para ler os artigos: https://doi.org/10.1177/15274764221082107 e https://doi.org/10.1177/15274764221125745

Lavits

Esta nota faz parte do projeto “Inteligência Artificial e Capitalismo de Vigilância no Sul Global”, financiado pela Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade e realizado pelo Labjor - Unicamp | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo