Cidades inteligentes e vigilantes que só funcionam para os bairros ricos

por Fabricio Solagna em 7 de fevereiro de 2025, Comentários desativados em Cidades inteligentes e vigilantes que só funcionam para os bairros ricos

O termo “cidades inteligentes” se tornou badalado nas últimas décadas, principalmente nos discursos de quem tenta promover transformações tecnosolucionistas para os problemas das grandes cidades. Trata-se de uma abordagem que mistura exploração de dados, racionalização neoliberal e uma governança de novo tipo, num contexto de políticas públicas voltadas ao capitalismo tardio.

Imagem gerada por inteligência artificial generativa utilizando palavras-chave: vigilância, CCTV, câmeras

Na segurança pública essa abordagem encontra alavancagem. Há um farto mercado interessado em oferecer “soluções inovadoras”. Ao mesmo tempo, os gestores do eEstado tentam melhorar os indicadores de violência, oferecendo maior capacidade de controle e gestão de incidentes, principalmente em grandes metrópoles, como é o caso de São Paulo.

É sobre esse cenário que se debruça o artigo “Smart Security? Transnational Policing Models and Surveillance Technologies in the City of São Paulo”, que faz parte do livro Policing and Intelligence in the Global Big Data Era, da EditoraPalgrave Macmillan. Publicado por Alcides Eduardo dos Reis Peron e Marcos César Alvarez, pesquisadores paulistas da FECAP e USP, respectivamente, o estudo é parte de uma pesquisa etnográfica realizada entre 2018 e 2020. Os pesquisadores conversaram com associações de bairro, moradores, pesquisadores, policiais e empresários em regiões onde os programas City Cameras e Vizinhança Solidária foram implementados.

O City Cameras é um sistema de vigilância em nuvem que monitora espaços públicos e que pode se integrar com sistemas particulares, como casas ou empresas, oferecendo armazenagem, gerenciamento centralizado e produção de estatísticas, providos pela CompStat Software.

“Essas imagens podem ser acessadas tanto pelos proprietários das câmeras quanto pelos agentes de segurança pública e privada. Supostamente pretendem servir tanto como um mecanismo para dissuadir o crime quanto como uma ferramenta para a investigação policial.”

É, portanto, muito mais que um circuito de câmeras (CCTV) interconectado. É um modelo – técnico e operacional – em que residentes, comerciantes ou empresas de segurança podem seguir e assim fazer parte de um sistema mais amplo, provendo sua infraestrutura particular de vigilância eletrônica para o Estado, de forma compartilhada.

O programa Vizinhança Solidária tem raízes no modelo de policiamento comunitário da década de 1980 e foi adotado pelo governo municipal e estadual, além de instituições como bombeiros e Polícia Militar. Segundo o material oficial, o objetivo é promover a “mobilização social em prol do fortalecimento da cultura de paz”. Dentro das ações do programa, institui-se tutores locais, que são orientados pelos agentes de segurança e fazem uma intermediação e o que se denomina “prevenção primária”.

Na pesquisa de Reis e Alvarez, percebeu-se que o Vizinhança Solidária ajuda no reforço e legitimação do City Cameras para os residentes e empreendimentos dos bairros. Os autores chamam a atenção para um aspecto de descentralização das políticas. Bairros se tornam “esferas de segurança” ou “espaços comunitários”, onde atores públicos e privados, civis e militares, exercem a governança da segurança pública. Apesar de parecer, a princípio, que essa abordagem poderia trazer uma gestão mais democrática da segurança, o que a pesquisa avalia é que há uma transferência de certas responsabilidades para a esfera privada.

Ocorre que essa governança é muito diferente do que ocorre num bairro como Pinheiros e a periferia da cidade. Em especial na cidade de São Paulo, é notório o aumento da letalidade policial e a resistência do governador em utilizar amplamente as câmeras corporais dos agentes de segurança, como forma de inibir excessos e erros de conduta.

A tecnologia, no caso, ajuda a produzir uma cidade controlada, e atrativa para a iniciativa privada, apenas nos locais onde a política quer priorizar, com a colaboração de agentes privados para exercer funções que deveriam ser do Estado.

Leia o artigo completo em: https://doi.org/10.1007/978-3-031-68326-8_4