Em tempos de comunicação plataformizada, desinformação explora vulnerabilidades do jornalismo

por Fabricio Solagna em 30 de setembro de 2024, Comentários desativados em Em tempos de comunicação plataformizada, desinformação explora vulnerabilidades do jornalismo

O termo “hackear” se tornou corrente nas últimas décadas como sinônimo de explorar limites de algo a fim de subverter seu propósito, seja para o bem ou para o mal. O jornalismo poderia estar sofrendo um hackeamento dos seus próprios princípios, valores e práticas através das estratégias de grupos que propagam desinformação e fake news, principalmente com pauta política.

Imagem gerada por inteligência artificial generativa utilizando palavras chave: jornalismo, IA, sul global

Este tema é desenvolvido pelo jornalista Marcelo Träsel em um artigo publicado na Liinc em Revista, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Ele explora os acontecimentos da política brasileira e demonstra que tanto figuras publicas como Jair Bolsonaro, quanto seus apoiadores, utilizaram técnicas consagradas no jornalismo, porém subvertendo-as, a fim de propagar pautas da extrema direita, utilizando o alto alcance de espalhamento de notícias através das plataformas das Big Techs. A pesquisa usa dados coletados entre 2018 e 2022 no Brasil, porém outras pesquisas já identificaram como grupos do Norte e do Sul, muitas vezes compartilham técnicas e estratégias.

Essas técnicas se utilizariam fontes de grande prestígio para difusão de alegações falsas, de forma enviezada ou distorcida, gerando matéria-prima para propaganda. Outro valor subvertido seria o da objetividade, o qual se aproveita de um jornalismo baseado em declarações, que se vale de falsas equivalências – colocando em pé de igualdade uma opinião de um cientista e de um terraplanista, por exemplo. Além disso, a relevância conferida às polêmicas em redes sociais, ou a relevância tributada às métricas das plataformas (como número seguidores), ajudou a moldar pautas que redundaram na amplificação de ideias favoráveis ao ex-presidente.

A incorporação de técnicas e valores no processo de criação de notícias em modo industrial são marcas importantes de meados do século passado, mas que se tornaram corrosivas em alguns casos, a partir do atual ecossistema de redes digitais e plataformização da comunicação. A atualidade do tema é inconstentável, e o apoio explícito de plataformas como o X, de Elon Musk, à candidatura de Donald Trump, tornam o tema ainda mais urgente.

Como afirma Träsel , há alguns antítodos e algumas iniciativas promissoras que podem prevenir estes cenários. Os manuais de redação, por exemplo, poderiam incorporar procedimentos que ajudem a neutralizar a exploração dessas práticas por indivíduos ou grupos interessados em manipular o conteúdo noticioso. Numa perspectiva mais de longo prazo, seria necessária a revisão dos valores e princípios do jornalismo a fim de “tensionar a centralidade do pensamento europeu moderno enquanto fundamento das práticas de produção de notícias”. Além disso, ele afirma que preciso regular as plataformas. O que faz sentido, já que o ambiente algoritimizado dessas empresas tem alta penetração popular, com as big techs agora ocupando o espaço de mediadoras do consumo de informações.


Para ler o artigo: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/6625

Lavits


Esta nota faz parte do projeto “Inteligência Artificial e Capitalismo de Vigilância no Sul Global”, financiado pela Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade e realizado pelo Labjor - Unicamp | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo