O termo “hackear” se tornou corrente nas últimas décadas como sinônimo de explorar limites de algo a fim de subverter seu propósito, seja para o bem ou para o mal. O jornalismo poderia estar sofrendo um hackeamento dos seus próprios princípios, valores e práticas através das estratégias de grupos que propagam desinformação e fake news, principalmente com pauta política.
Este tema é desenvolvido pelo jornalista Marcelo Träsel em um artigo publicado na Liinc em Revista, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Ele explora os acontecimentos da política brasileira e demonstra que tanto figuras publicas como Jair Bolsonaro, quanto seus apoiadores, utilizaram técnicas consagradas no jornalismo, porém subvertendo-as, a fim de propagar pautas da extrema direita, utilizando o alto alcance de espalhamento de notícias através das plataformas das Big Techs. A pesquisa usa dados coletados entre 2018 e 2022 no Brasil, porém outras pesquisas já identificaram como grupos do Norte e do Sul, muitas vezes compartilham técnicas e estratégias.
Essas técnicas se utilizariam fontes de grande prestígio para difusão de alegações falsas, de forma enviezada ou distorcida, gerando matéria-prima para propaganda. Outro valor subvertido seria o da objetividade, o qual se aproveita de um jornalismo baseado em declarações, que se vale de falsas equivalências – colocando em pé de igualdade uma opinião de um cientista e de um terraplanista, por exemplo. Além disso, a relevância conferida às polêmicas em redes sociais, ou a relevância tributada às métricas das plataformas (como número seguidores), ajudou a moldar pautas que redundaram na amplificação de ideias favoráveis ao ex-presidente.
A incorporação de técnicas e valores no processo de criação de notícias em modo industrial são marcas importantes de meados do século passado, mas que se tornaram corrosivas em alguns casos, a partir do atual ecossistema de redes digitais e plataformização da comunicação. A atualidade do tema é inconstentável, e o apoio explícito de plataformas como o X, de Elon Musk, à candidatura de Donald Trump, tornam o tema ainda mais urgente.
Como afirma Träsel , há alguns antítodos e algumas iniciativas promissoras que podem prevenir estes cenários. Os manuais de redação, por exemplo, poderiam incorporar procedimentos que ajudem a neutralizar a exploração dessas práticas por indivíduos ou grupos interessados em manipular o conteúdo noticioso. Numa perspectiva mais de longo prazo, seria necessária a revisão dos valores e princípios do jornalismo a fim de “tensionar a centralidade do pensamento europeu moderno enquanto fundamento das práticas de produção de notícias”. Além disso, ele afirma que preciso regular as plataformas. O que faz sentido, já que o ambiente algoritimizado dessas empresas tem alta penetração popular, com as big techs agora ocupando o espaço de mediadoras do consumo de informações.
Para ler o artigo: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/6625
Esta nota faz parte do projeto “Inteligência Artificial e Capitalismo de Vigilância no Sul Global”, financiado pela Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade e realizado pelo Labjor - Unicamp | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo