A corrida tecnológica pela liderança em tecnologias de IA está em curso e tem mobilizado big techs, financiadores e Estados-nação, que cada vez mais tem apostado no tema como forma de competir geopoliticamente. Recentemente, a nova administração Trump anunciou um investimento de US$ 500 bilhões do setor privado, com ajuda governamental. A China já está construindo cerca de 250 centros avançados de computação, com previsão de conclusão até o final de 2025, como infraestrutura para o desenvolvimento de IAs. Mas haveria alguma diferença da IA desenvolvida pela China e a dos outros países capitalistas, principalmente a dos EUA?

Qiaoyu Cai, filósofo e professor da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, propõe o conceito de uma “IA pós-socialista”, que vai além do paradigma dominante do informacionalismo neoliberal. O ensaio foi publicado como um artigo intitulado “The Cultural Politics of Artificial Intelligence in China”, na revista Theory, Culture & Society, referência internacional para estudos científicos inéditos na área de cultura e sociedade.
Segundo o autor, há uma complexa interação entre o apoio estatal, práticas governamentais locais e os investimentos de mercado na China, evidenciando objetivos político-econômicos que resistem à simplificação em um modelo universalizado de capitalismo neoliberal para se pensar o desenvolvimento econômico chinês. As IAs do outro lado do mundo, portanto, devem ser pensadas fora do paradigma neoliberal em que, segundo alguns, teriam nascido.
Uma evidência usada no ensaio é como o termo “popular” é bastante utilizado nos documentos (os whitepapers) no contexto chinês. Já o termo “engajamento cívico e político”, ao contrário, é frequentemente usado no modelo liberal de participação democrática. O conceito de “popular” no contexto chinês está intimamente ligado à supervisão pública, à inserção no regime e à participação controlada, mecanismos que são pilares da estrutura do partido-estado leninista-maoísta. A participação controlada parece ser a chave para entender como o governo compreende a incorporação das massas no desenvolvimento das IAs.
“Os princípios ideológicos e organizacionais das instituições leninistas-maoístas estão profundamente enraizados na adoção entusiasmada da IA pela China, pois otimizam as estruturas e práticas políticas existentes para inclusão controlada”.
A grande questão levantada pelo trabalho de Cai é que o chamado “pós-socialismo” não seria só uma condição socioeconômica determinada de uma época, mas uma ordem cultural e política que incorporaria uma forma dominante de modernidade tecnológica. A subjetividade pós-socialista seria uma figura sociopolítica caracterizada por rupturas e continuidades com a era anterior do alto comunismo, algo análogo ao homo economicus do Ocidente no neoliberalismo.
Para examinar o desenvolvimento da IA na China, portanto, haveria a necessidade de não objetificar nem a IA (como essencialmente ocidental) nem a própria China (como um capitalismo de Estado, ou um socialismo neoliberal). Seria preciso dar atenção ao encontro interativo entre a “dimensão alienígena” do pensamento algorítmico e uma experiência distintamente chinesa de modernidade — ambas as quais “permanecem inassimiláveis à reprodução global da subjetividade neoliberal”, segundo o autor.
Link para o artigo: https://doi.org/10.1177/0263276424130471