No Douyn, o Tiktok “chinês”, criadores de conteúdos compram tráfego e negociam com os anunciantes

por Fabricio Solagna em 5 de agosto de 2025, Comentários desativados em No Douyn, o Tiktok “chinês”, criadores de conteúdos compram tráfego e negociam com os anunciantes

Utilizado por mais de 750 milhões de pessoas na China e pouco conhecido no ocidente, o Douyin é o irmão gêmeo do TikTok, uma plataforma de vídeos curtos criado pela mesma empresa, a ByteDance.

Seu sucesso local estrondoso também revela uma plataforma robusta para os chamados criadores de conteúdo – pessoas que produzem vídeos a fim de conseguir retorno financeiro. A plataforma conecta anunciantes e criadores e intermedeia essa relação, embolsando um percentual do negócio como lucro. Uma das consequências é a transformação da criatividade em uma “linha de montagem” de conteúdos, que tende a uma padronização. A plataforma se utiliza das mesmas estratégias de seus concorrentes – e do próprio irmão Tiktok – para manter os usuários gastando horas rolando vídeos na timeline. O importante é impulsionar os negócios, já que é possível fazer compras com apenas alguns cliques. Talvez a grande diferença de big techs estadunidenses seja que as ferramentas de recompensas geram um pouco mais de previsibilidade no Douyin.

Imagem gerada por inteligência artificial generativa utilizando palavras-chave: China, IA, Douyn

É o que aponta um estudo de Yang Huang e WeiMing Ye, ambos da Universidade de Pequim, publicado na revista acadêmica Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies. O artigo, intitulado “‘Traffic rewards’, ‘algorithmic visibility’, and ‘advertiser satisfaction’: How Chinese short-video platforms cultivate creators in stages” relata uma pesquisa em profundidade com 19 criadores de conteúdo da plataforma. Os autores também utilizam um uma abordagem de análise passo a passo da interface e se aprofundam nos mecanismos subjacentes ao seu funcionamento a fim compreender as trajetórias pelas quais o usuário é levado na sua jornada de trabalho enquanto criador de conteúdo.

O Douyin proporciona alguns caminhos na tarefa de produzir maior visibilidade dos conteúdos. Para usuários iniciantes, além da trivial sugestão de hastags há um ambiente de negociação de tráfego: a ferramenta Dou+. Para garantir duas mil visualizações a mais na publicação, o custo gira em torno de quatro dólares, por exemplo.

Os criadores recentemente registrados recebem uma recompensa de tráfego da plataforma que serve, segundo os pesquisadores, para incutir uma ideia possibilidade de receita a partir da produção ajustada às demandas definidas pelo algoritmo. No entanto, a maioria dos entrevistados relata que o tráfego inicial vai diminuindo após alguns meses e outras estratégias são ofertadas. Ao que tudo indica, o maior desafio não é exatamente a criatividade ou originalidade, mas ser capaz de seguir um modelo de conteúdo recompensado pelas regras da plataforma. Há, inclusive, um “Centro de Aprendizagem para Criadores” em que as pessoas são incentivadas a entender como melhor tirar proveito das características do serviço. É uma forma de moldar ou “cultivar” os criadores de conteúdos em alguns passos, dizem Huang e Ye.

Para usuários com mais de 10 mil seguidores é oferecida a ferramenta Start-Chart. É o mediador das transações entre anunciantes e criadores. Os anunciantes podem publicar pedidos para publicidade com instruções específicas. Também deixam claro o alcance mínimo de público que estão esperando, por meio de indicadores como visualizações, compartilhamentos etc.

Depois do aceite mútuo entre criadores e anunciantes, o sistema permite que os criadores enviem o roteiro do vídeo. A Douyin examinará o conteúdo com base no seu sistema de moderação e os anunciantes poderão verificar se a peça atende ao pedido. Pode haver até duas rodadas de aprovação, se necessário, e o vídeo só será publicado quando atender as necessidades do anunciante e as diretrizes da plataforma.

Se a tarefa for concluída com sucesso, o criador receberá o pagamento e a plataforma receberá uma comissão de 10%. Os anunciantes poderão acompanhar o desempenho das métricas ao longo da campanha. Um vídeo com 500 mil visualizações pode ser recompensado com um valor em torno de 800 dólares.

Os criadores de conteúdo acreditam que o Star-Chart é uma ferramenta que estabiliza o processo de transformação de criatividade em receita, que traz algum nível de transparência no jogo e que tornam os ganhos financeiros previsíveis ao longo do tempo do trabalho. Ao mesmo tempo, os pesquisadores também perceberam que há uma percepção dos criadores em que eles se consideram “caçadores de recompensas”, tendo que navegar entre os pedidos, agradar os anunciantes e a plataforma.

Assim, o Star-Chart pode ser considerado um espaço de uma troca bem-sucedida entre criadores ávidos por receita, anunciantes e o Douyin, onde ambos os lados parecem reduzir o efeito da incerteza.

Para os criadores de conteúdo, o impacto de suas criações depende muito menos dos seus seguidores e muito mais do atendimento às regras da plataforma. A pergunta “quantas pessoas vão curtir meu conteúdo?” está sendo gradualmente substituída por “como posso ser visto pela plataforma?”, segundo os resultados da pesquisa.

A produção de conteúdo se torna uma linha de montagem e não seria muito diferente do processo de trabalho dos entregadores, sugerem os pesquisadores, dando destaque ao caráter repetitivo para atender às demandas dos anunciantes. Além disso, a expressão individual e a criatividade fica subsumida à necessidade de vender algum produto ou promover alguma marca. Alguns dos entrevistados relataram que preferem não publicar vídeos pessoais, pois estão focados no trabalho de produzir as publicidades.

O sucesso do Douyin se deve também a práticas utilizadas em plataformas similares, como o TikTok. A recaligragem dos algoritmos por meio da coleta em massa de dados dos usuários é parte fundamental, ou seja, a vigilância é parte estruturante do modelo de negócio, mesmo que a ferramenta seja do Sul Global.

Para ler o artigo: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/13548565231211117

Lavits

Esta nota faz parte do projeto “Inteligência Artificial e Capitalismo de Vigilância no Sul Global”, realizado pelo Labjor - Unicamp | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo. Conta com o apoio da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (LAVITS) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (Mídia Ciência).