O paradigma educacional tecno-utopista na Coreia do Sul

por Fabricio Solagna em 11 de setembro de 2024, Comentários desativados em O paradigma educacional tecno-utopista na Coreia do Sul

A pandemia de COVID-19 acelerou o processo de digitalização em diversas áreas e abriu uma avenida para as big techs. A educação foi uma área bastante impactada com as ideias tecno-solucionistas, envernizadas como salvação para o atraso do Sul em relação ao Norte, conjugadas com vigilância e datificação.

Este cenário na Coreia do Sul é estudado pela pesquisadora Saemi Nadine Jung, da Escola de Comunicação da Universidade Simon em Vancouver, no Canadá, cujo trabalho foi publicado em artigo na International Journal of Communication, importante revista acadêmica multidisciplinar, com foco em assuntos relacionados à comunicação. Ela realizou uma pesquisa de 2021 a 2023 sobre as políticas educacionais geradas principalmente em resposta à pandemia, lançadas sob o guarda-chuva de “Korea New Deal”.

A intenção do estudo não foi fazer uma avaliação qualitativa das políticas, mas enfatizar como o trabalho de definição de uma agenda verticalizada em torno do uso tecnologia na educação foi impulsionada e justificada por mitos de modernização e progresso tecnológico, emulando políticas do ocidente.

Ao revisar os planos produzidos pelo Ministério da Educação, Jung demonstra como os documentos sul-coreanos são dominados por um enquadramento explicitamente neoliberal, que sugere aos indivíduos “investir em uma vida empreendedora”, por exemplo, e que, ao mesmo tempo, recupera palavras-chave do pós-guerra. Assim, ela afirma que há um deslocamento dos valores da educação para promover “o crescimento individual e da criatividade” e para mobilizar “talentos digitais” para “resolver desafios internacionais”, a despeito de valorizar a formação do pensamento crítico.

Outra parte da análise da pesquisa se dedica a estudar uma peça publicitária em formato de vídeo no canal oficial do governo no Youtube sobre o aniversário do New Deal coreano. Nela, é anunciada o novo modelo de escola futurista chamada “Escola Verde Inteligente do Futuro”, que se utiliza de inteligência artificial, reconhecimento facial e tecnologias algorítmicas para análise preditiva de desempenho. Questões de privacidade e autonomia das crianças são desconsideradas, ao passo escola que é retratada como um espaço utópico “onde coisas mágicas acontecem”, segundo a pesquisadora.

Com referências que evocam Harry Potter e de Hogwarts, as escolas fictícias se diferenciariam por oferecer tecnologias de aprendizagem personalizada. Esta personalização é calcada em profunda datificação para avaliação algorítmica, o que leva à conclusão da pesquisa que “o discurso de reforma educacional liderado pelo Estado é muito similar aos discursos encontrados na indústria tecnológica”.

Aqui no Brasil também houve um extenso estudo sobre o impacto atual das tecnologias na educação, publicado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). O livro está disponível para download e também é possível solicitar a versão impressa: Educação em um cenário de plataformizaçãoe de economia de dados. O material foi fruto de um grupo de trabalho que analisou as plataformas na educação remota e traz um olhar sobre os desdobramentos do período da pandemia até o momento.

Para ler o artigo: https://ijoc.org/index.php/ijoc/article/view/21145


Esta nota faz parte do projeto “Inteligência Artificial e Capitalismo de Vigilância no Sul Global”, financiado pela Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade e realizado pelo Labjor – Unicamp | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo