minha privacidade pela sua propriedade intelectual, topa?

por Rafael Evangelista em 8 de novembro de 2013, Comentários desativados em minha privacidade pela sua propriedade intelectual, topa?

A dica vem do tuíter no @evgenymorozov (que diz que o texto nem é tão bom – verdade – mas ressalta o papel da “Internet” na narrativa do texto, que é naturalizada, vira uma força da inexplicável natureza ).

Começa assim (Privacy Isn’t a Right, na Slate):

A privacidade não é mais um direito. Nós a vendemos por fotos de gatinhos e pela possibilidade de dizer a todos do mundo do mundo livre o que comemos no café da manhã.

Não também estou dizendo que é uma troca ruim. A internet como a conhecemos aconteceu pela monetização da informação-metadados sobre nós – em lugar de replicar o modelo tradicional de venda de conteúdo. Como resultado a internet explodiu numa pletora de serviços úteis e plataformas em todos os formatos e tamanhos. Mais ainda,  foi uma igualadora – ninguém tem informação pessoal que vale mais do que a de outros, assim todo mundo foi capaz de trocá-la pelo mesmo tipo de serviço.

O problema nisso tudo é que privacidade é uma noção da qual se abdica no momentos em que você aperta “concordo” no acordo de serviços que você não leu. E, apesar de os consumidores não terem percebido isso, seus dados deixaram o restaurante e lhes sobrou a conta.

Bom, é difícil conseguir estar tão certo e ao mesmo tempo tão errado como Josh Klein. O problema – do texto inteiro – é o excesso de simplificação e a visão de indivíduo consumidor contida no artigo todo – além de colocar a internet como força da natureza, como bem nota o Morozov.

Por que ele está em parte certo? Porque o raciocínio de que a informação sobre o usuário – individulizada ou usada coletivamente como metadado – é a força motora, o combustível mesmo, desse capitalismo internético é bem forte. Não é exatamente nova, um monte de autores já trabalharam sobre isso, mas é interessante que seja colocada claramente, dessa forma, com exemplos bobinhos mas palpáveis. O texto é uma versão resumida do livro Reputation Economics, que tem toda cara de ser aquela literatura de aeroporto mal-fantasiada de cabeçuda.

Mas está muito errado em trezentos outros pontos, a começar por descartar isso que ele chama de privacidade como um direito. Primeiro porque dizer que a foto do café da manha que você mete no instagran é algo privado é complicado. Por um lado, sim, se sou uma pessoa muito restrita, apenas adiciono meia dúzia de conhecidos nas minhas redes e google/microsoft/facebook usam essa informação nos metadados que eles vendem por aí ok. Mas a maioria das pessoas tem uma rede ampliada de contatos e a foto do café da manhã serve, concretamente, como indicação de um determinado serviço. É o mesmo quando coloco o vídeo de uma banda que gosto, e que poucos conhecem, e os conectados comigo vão lá pesquisar sobre a banda. Nesse momento a rede social não funciona só para relacionamentos pessoais, ela é como uma revista que te indica um filme, um livro ou um show. E aí, meus caros, não é a minha privacidade que foi pro mercadão, é minha “propriedade intelectual”.

Vamos dimensionar isso? É fácil dizer que “a privacidade está morta”, como tem sido repetido exaustivamente por aí, até mesmo por gente que busca resgatá-la como direito. Muito mais incomum é você ler que “a propriedade intelectual está morta”. E seria um jogo bem massa de se jogar, eu topo tornar a propriedade intelectual um bem comum. Que tal?

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Vale destacar ainda dois méritos do texto do Klein.

Um é que ele aponta, lá no final, para uma possível “renegociação” dessa relação entre sites e usuários, de modo que as grandes empresas de internet ofereçam mais em troca do que obtém. É uma pena que a coisa é colocada sempre do ponto de vista do consumidor individualizado, que deveria, segundo ele, tornar mais difícil o acesso a seus dados, usando de VPNs e criptografia, para que as empresas subam o “preço” pago. Seria bem mais interessante entender isso como direito e como produção coletiva, apontando para mudanças nas relações sociais que efetivamente reconheçam isso.

Outro mérito são exemplos de patentes de modelos de negócio/tecnologias que ele dá. Um par delas, da Microsoft:

“Vejamos um par de patentes que a Microsoft pediu alguns anos atrás. Descrevendo genericamente, a primeira permite que a companhia coloque um número na habilidade de qualquer identidade [pessoa] em influenciar os outros em determinado tópico. Então, para a palavra queijo você pode ter um score de 88, porque você mantém um blog popular sobre queijos. Ao mesmo tempo, eu posso ser intolerante à lactose e ter um score de 17. A segunda patente é mais interessante, ela permite que a Microsoft coloque, dinamicamente, preços em serviços ou bens baseando-se naquele seu score.

Isso significa que, se você vai comprar um queijo online a Microsoft pode perguntar à Kraft se ela quer te dar um grande desconto no queijo, esperando que você faça uma boa resenha sobre os queijos dela e que as vendas subam. Do mesmo modo, se eu quero comprar queijo ela pode perguntar à Kraft se quer jogar o preço lá em cima, de modo que eu me sinta desestimulado a comprar, poupando-a de uma resenha potencialmente embaraçosa.”

Sacaram? É como aquelas banquinhas que dão um preço de acordo com o cliente. Mas numa versão muito mais anabolizada e complexa, com uma forte assimetria de informações entre comprador e vendedor e implicações éticas bem complexas.

escutando a wikipedia

por T. C. Soares em 1 de novembro de 2013, Comentários desativados em escutando a wikipedia

Há uns meses, falamos no PlanoB sobre um projeto que, desenvolvido por dois programadores, oferecia em tempo real um mapa das edições em verbetes da Wikipedia ao redor do mundo. Esses dias descobri que os mesmos desenvolvedores criaram, a partir de um cruzamento de metadados similar, um projeto derivado – agora, porém, baseado na expressão sonora da atividade de editores e editoras wikipedianos.

Chamada “Listen to Wikipedia” (em português, “Escute a Wikipédia”), a proposta é baseada num site que oferece, a cada nova edição ou cadastro, a modulação de uma nota diferente. O resultado é mais ou menos como música de meditação, e é muito massa.

Dá pra ouvir e ver aqui.

Listen_To_Wikipedia

 

Da The Verge.

olá skynet

por T. C. Soares em 16 de outubro de 2013, Comentários desativados em olá skynet

Os pesquisadores das Forças Armadas dos Estados Unidos querem criar máquinas que atacam por vontade própria.

A ameaça que realmente deixa futuristas preocupados são os robôs letais autônomos — uma distinção fundamental que tem a ver com máquinas totalmente autônomas capazes de matar por conta própria, sem qualquer intervenção humana. Neste ponto, não há como dizer se esses robôs serão algum dia usados no campo de batalha; de todo modo, de acordo com um relatório do ex-analista de inteligência Joshua Foust publicado no Defense One este mês, isso seria algo que os EUA considerariam seriamente.

Segundo Foust, engenheiros e políticos trabalham no estudo e desenvolvimento de drones cada vez mais autônomos, que poderiam, eventualmente, lançar um míssil contra um alvo a partir de sua própria percepção. Enquanto essa tecnologia ainda não existe, os avanços na inteligência artificial sugerem que é apenas uma questão de quando — e não se — a DARPA (a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos EUA) passará a trabalhar no desenvolvimento de máquinas inteligentes que imitam o cérebro humano. A idéia é que esses artefatos futuristas sejam não só capazes de aprender e pensar como um ser humano, mas que tomem decisões em tempo real, com base no que está acontecendo ao seu redor.

Certamente é algo que não tem como dar errado.

Via Motherboard.

a rede mundial de computadores quer se tornar mundial

por T. C. Soares em 12 de outubro de 2013, um comentário

As principais instituições de governança da Internet anunciaram o fim de relações exclusivas com o governo dos EUA.

Os diretores da ICANN, da Internet Engineering Task Force, do Internet Architecture Board, do World Wide Web Consortium, e da Internet Society, bem como todos os cinco registros regionais de endereços da Internet, se comprometeram a dar fim às suas associações ao governo dos EUA.

Em um comunicado, o grupo pediu a “aceleração da globalização das funções da ICANN (Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números) e da IANA (sigla para Autoridade para Atribuição de Números da Internet) no sentido de um ambiente no qual todas as partes interessadas, incluindo todos os governos, participem em pé de igualdade”.

É uma mudança considerável em relação à situação atual, na qual o Departamento de Comércio dos EUA tem o poder de supervisionar a ICANN.

É difícil imaginar que essa movimentação aconteceria sem as revelações de Edward Snowden e toda a história a respeito da espionagem online de usuários e governos feita por países como EUA e Canadá. E é certo que esse redesenho das estruturas institucionais de governança dará um bom tanto de peso à conferência global sobre gestão da Internet a ser sediada no Brasil, em 2014.

Da Wired UK.

cientistas também leem a wikipédia

por T. C. Soares em 30 de setembro de 2013, um comentário

Um projeto oferecerá a estudantes de medicina a chance de rechear seu histórico escolar contribuindo com a Wikipédia.

Os estudantes de medicina da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF) poderão de obter créditos acadêmicos de uma fonte improvável: a Wikipedia.

Em uma disciplina experimental a ter início em dezembro, alunos do quarto ano sob a tutela do professor clínico Amin Azzam serão encarregados da redação, edição e monitoramento de entradas da Wikipedia clinicamente relevantes. Os alunos trabalharão à distância, com professores auditando suas edições e seu progresso. Cerca de oitenta verbetes serão revistos: os mais populares, mas ainda inferiores em termos de qualidade segundo o próprio sistema de classificação da Wikipedia.

Para que isso aconteça, a UCSF está trabalhando em conjunto com a Wiki Foundation Med Project, uma organização sem fins lucrativos dedicada à manutenção de recursos educacionais de alto padrão na área médica, numa atuação voltada ao oferecimento desses recursos em vários idiomas. “Sabemos que quase todos os estudantes de medicina usar a Wikipedia,” afirmou à UCSF James Heilman, presidente da fundação. “E queremos que quase todos estudantes de medicina contribuam com a Wikipedia.”

A ideia de acadêmicos dando chancela a colaborações na Wikipedia soa meio incomum, mas ao que tudo indica a iniciativa da UCSF tem a ver com um certo movimento de aproximação entre a comunidade wikipediana e alguns pesquisadores tradicionais. Em 2010, por exemplo, a Nature já noticiava as ações de um grupo de cientistas ingleses que trabalhava, junto às comunidades da Wikipedia, em ações voltadas tanto à divulgação científica como à sistematização de dados.

Via Motherboard.

o monopólio da publicidade online e a vigilância econômica

por Rafael Evangelista em 19 de setembro de 2013, Comentários desativados em o monopólio da publicidade online e a vigilância econômica

A descoberta das práticas de espionagem eletrônica da NSA, assim como das parcerias que a agência do país obâmico vem estabelecendo há anos com gigantes do Vale do Silício como Google, Apple e Microsoft, deram uma noção para o ~amigo internauta~ sobre como as conversas (e tudo mais) na rede estão expostas.

Mas uma dimensão menos famosa da vigilância, a vigilância econômica – ou o lucro que as têm ao monitorar e vender anúncios a partir do que se faz na rede – é bem menos conhecida. E, ao que parece, é meio que bem oligopolizada. Lendo esse artigo aqui (Web 2.0, Prosumption, and Surveillance) descobri que, no caso dos anúncios tipo adsense o controle é quase total do Google. Isso via duas empresas, a DoubleClick (que eles compraram em 2007) e o próprio Google Adsense. Só esta última é usada por 75% dos sites. A primeira, é líder entre os sites de alto tráfego. O dado vem daqui, atualizado diariamente.

O problema desse monopólio? O artigo que citei inicialmente classifica alguns, que corto/colo/traduzo pra vocês:

Ameaça pelo poder ideológico: a publicidade on-line apresenta certas realidades como importantes para os usuários e deixa de fora aquelas realidades que não são de caráter corporativo ou que são produzidos por atores que não têm o suficiente capital para comprar anúncios online. Um monopólio de publicidade on-line, portanto, avança em direção a uma realidade unidimensional.

Ameaça pelo poder político: na sociedade moderna, o dinheiro é uma forma de influência sobre o poder político. A concentração de publicidade on-line, portanto, dá Google enorme poder político.

Controle de padrões e preços de trabalho: o monopólio da publicidade online tem o poder de definir normas de trabalho ampliadas e os preços da indústria . Isso pode representar desvantagens para os trabalhadores e consumidores.

Ameaça pela centralização econômica: um monopólio econômico controla grandes quotas de mercado e, assim, priva outros atores de oportunidades econômicas.

Ameaça da vigilância: a publicidade online direcionada é baseada na coleta de grandes quantidades de dados pessoais, de uso e comportamentais que são então armazenados, analisados e repassados aos clientes de publicidade. As sociedades modernas são estratificadas, o que significa que certos grupos e indivíduos competem com outros para o controle de recursos , consideram os outros como seus adversários, beneficiam-se de certas circunstâncias a custo de outros e assim por diante. Como resultado , as informações sobre preferências pessoais e comportamentos individuais podem causar danos aos indivíduos se ficarem nas mãos de seus adversários ou outros que possam ter interesse em prejudicá-los . Coleta de dados em larga escala e vigilância em uma sociedade baseada no princípio da competição traz certas ameaças ao bem -estar de todos os cidadãos . Portanto, mecanismos especiais de proteção da privacidade são necessários. . Todos os grandes conjuntos de dados contém a ameaça de serem acessados por pessoas que querem prejudicar outras. Se essas coleções são de propriedade privada , então o acesso aos dados pode ser vendido porque há um interesse econômico em acumular dinheiro. Os seres humanos que vivem em sociedades modernas têm um interesse intrínseco em controlar quais dados pessoais sobre eles são armazenados e estão disponíveis para quem; porque estão enfrentando ameaças sistêmicas de serem prejudicados por outros. Sob as circunstâncias modernas atuais, grandes coleções de informações pessoais representam a ameaça de danos para os indivíduos porque os seus inimigos, adversários , ou rivais na vida privada ou profissional podem, potencialmente, ter acesso a esses dados. Desde 11/9 , tem havido uma extensão e intensificação da vigilância de Estado com base no argumento de que a segurança contra o terrorismo é mais importante do que a privacidade. Mas a vigilância do Estado é tendente a falhas, e o acesso de instituições do Estado a grandes coleções on-line sobre os cidadãos (como, por exemplo, a permitiu pelo Patriot Act dos EUA ) não só coloca a possibilidade de se detectar terroristas, mas também o risco de que um grande número de cidadãos sejam considerados como potenciais criminosos ou terroristas sem terem cometido nenhum crime; bem como a ameaça de que o Estado obtenha uma enorme quantidade de informações sobre a vida privada dos cidadãos que venha a considerar que sejam de armazenamento necessário (como opiniões políticas, decisões de voto , preferências sexuais e relacionamentos; e ligações de amizade).

o dia em que allende quase criou uma outra internet

por T. C. Soares em 12 de setembro de 2013, Comentários desativados em o dia em que allende quase criou uma outra internet

Há quarenta anos, o presidente eleito Salvador Allende foi deposto num golpe de Estado no Chile. Em 11 de setembro de 1973, sitiado no palácio presidencial, sob fogo de tropas golpistas lideradas pelo general Augusto Pinochet, Allende teria se suicidado, marcando o início de uma ditadura que se estenderia por 17 anos.

Os horrores do regime de exceção chileno, marcado por dezenas de milhares de mortos e torturados e por centenas de milhares de exilados (e pelo enriquecimento meteórico de seu ditador) são conhecidos, tema de livros e reportagens e estudos. Não menos conhecida é a participação do governo dos EUA nisso tudo. E são coisas que não devem ser esquecidas mesmo.

Mas este texto trata de algo não tão conhecido do governo Allende: a criação de uma rede de comunicação que poderia ter sido o começo de outra internet.

Numa matéria recente da revista inglesa Red Pepper, é resgatada a história da Cybersyn (sigla que remeteria ao nome “Sinergia Cibernética”), um sistema de comunicação desenvolvido por Allende para descentralizar o fluxo e a gestão de informações e mercadorias.

A revista britânica lembra que, pouco antes de cair, Allende enfrentava um desafio: de um lado, construir um governo de esquerda que não emulasse o centralismo do modelo soviético; do outro, a ofensiva de uma direita interna (e continental) que, por conta da guerra fria, se delineava em traços bastante agressivos. Nesse esforço de elaborar uma estrutura de governo que permitisse gerenciamento horizontal, em rede, o grupo de gestores de Allende foi buscar inspiração no trabalho de um cientista britânico chamado Stafford Beer. No Guardian, Beer é lembrado da seguinte maneira:

Parte cientista, parte guru da administração, parte teórico social e político, (Beer) era alguém que havia ficado rico mas cada vez mais frustrado com a Grã-Bretanha dos anos 50 e 60. Suas idéias sobre as semelhanças entre os sistemas biológicos e artificiais — a maior parte delas expostas em seu livro “The brain of the firm” — fizeram dele um consultor junto a empresas e políticos britânicos. No entanto, esses clientes não costumavam adotar as soluções que recomendava do modo que ele gostaria, o que o levou a assinar cada vez mais contratos no exterior.

 

Na verdade, Beer se interessou tanto pelo projeto que foi para o Chile trabalhar com a equipe de Allende. Sob as ideias do pesquisador britânico, o governo do Chile implementou, entre 1971 e 1973, uma rede de comunicação que se desenharia como o sistema nervoso do sistema produtivo chileno, do chão de fábrica a escritórios de gerenciamento e gabinetes de governo. Uma arquitetura baseada em máquinas de telex e linhas telefônicas ligadas a computadores que, em sua versão beta, chegaram a interligar mais de um quarto da infraestrutura econômica do país. Uma rede cuja coordenação central ficaria delegada a um grupo de sete gestores alocados numa Sala de Operações com visores e cadeiras futuristas vermelhas.

a sala de controle do projeto cybersy (sério caras)

a sala de controle do projeto cybersyn (sério caras)

O mais louco é que, pelo que levantei, parece que o sistema funcionava mesmo. Quando, em 1972, o Chile ficou travado com uma greve de transportes organizada pela oposição chilena com a ajuda da CIA, a Cybersyn foi acionada e permitiu que o governo reordenasse a produção e o tráfego de mercadorias ao redor do país. No texto da Red Pepper, eles explicam:

Quando o governo enfrentou, em 1972, uma greve de pequenos empresários conservadores apoiados pela CIA e um boicote de empresas privadas de caminhão, o abastecimento de alimentos e combustíveis ficou perigosamente baixo. O governo enfrentou sua mais grave ameaça frente ao golpe. Foi então que a Cybersyn se realizou de fato, e o governo de Allende percebeu que o sistema experimental poderia ser usado para contornar os esforços da oposição. A rede permitiu que seus operadores levantassem informações imediatas de locais onde a escassez estivesse maior, bem como onde se encontrariam os motoristas que não participavam do boicote, mobilizando ou redirecionando meios de transporte próprios.

Hoje isso pode parecer nada demais, mas em 1972 era mais ou menos como inventar uma nova versão do Google.

Na verdade, esse flerte da cibernética com o socialismo não é invenção chilena. O pai da coisa toda, Norbert Wiener, era bastante crítico da ideia de horizontalidade homem-máquina, e defendeu até o fim a ideia de que sistemas cibernéticos deveriam ser geridos essencialmente por agentes humanos, adaptados como ferramentas voltadas ao combate à desigualdade social — esse viés socialista fez dele, inclusive, um pesquisador bastante celebrado na União Sociética.

No fim, porém, a noção do que seria o ideal de interação homem-máquina defendida por Wiener acabou, em meados do século passado, obscurecida pela de seu parceiro de pesquisas tornado rival, John von Neumann, que acreditava numa lógica cibernética baseada numa igualdade de condições entre homens e máquinas – o que, ao longo do processo da evolução tecnológica, permitiria que os computadores se portassem como organismos que viessem a automatizar os espaços da interação humana. Mais ou menos como o que rola com os bots na Wikipedia, por exemplo.

Enfim. O bacana da internet é que você está sempre aprendendo alguma coisa nova.

o fórum da internet será transmitido na internet

por T. C. Soares em 3 de setembro de 2013, Comentários desativados em o fórum da internet será transmitido na internet

Entre hoje e quinta-feira (de 03/9 a 05/9), acontece em Belém o III Fórum da Internet no Brasil. O encontro, que este ano tem como eixo o tema “Construindo pontes”, junta o pessoal do governo, do setor privado, do terceiro setor e da academia para pensar o futuro da internet no país –, de protocolos a infraestrutura, da produção científica à geração de tecnologia. A isso tudo, devem se juntar as novidades sobre a espionagem tocada por empresas e governo dos EUA, o que vai agitar um tanto os debates e deixar a coisa animada.

O Rafael Evangelista (@r_evangelista), aqui do OPlanoB, é um dos convidados como representante da academia, e participará da trilha de debates “Universalidade, Acessibilidade e Diversidade”, que acontece hoje (03/9), das 13h30 às 20h00. Há várias outras trilhas bacanas, com gente do país todo tratando de coisas como direitos autorais, neutralidade de rede, inovação tecnológica e liberdade de expressão.

Mas ao que importa: os debates serão transmitidos ao vivo na página do Fórum, então caso você não esteja por Belém dá pra assistir às mesas no conforto do lar ou na aba escondida no computador do trabalho.

E é isso.

como o Zuckerberg vai quebrar a net neutra (acho eu) pagando de bom moço e fichando o mundo todo

por Rafael Evangelista em 28 de agosto de 2013, 6 comments

Perdoem pelo post no estilo Tio Rei, mas achei essa entrevista do Zuckerberg dada ao Steven Levy (simplesmente o autor de Hackers: the heroes of the computer revolution, o melhor trabalho de investigação sobre as origens culturais do Vale do Silício que já li) extremamente interessante. Então quero analisá-la e recheá-la com comentários sobre o que penso ser a ideologia desses caras (Ideologia Californiana, mais ou menos nos termos do Richard Barbrook).

Escrevi um monte de elucubrações aí no meio da entrevista. Mas o ponto importante é: Zuckerberg está usando de uma aparente intenção humanitária – Internet para todos, para o planeta inteiro – para propor alterações nos princípios básicos e fundamentais da rede, alterações que são a consequência lógica inerente dos objetivos estabelecidos. O pano de fundo disso, o contexto ideológico, é uma construção utópica em que todos os problemas do mundo (TODOS) seriam no fundo derivados de um problema comunicacional. Eliminando o ruído, estabelecendo a comunicação plena, tudo poderia ser resolvido.

No último dia 20, Zucker lançou uma coalizão de empresas, hospedadas no sugestivo domínio internet.org. E lançou um vídeo bonitinho. E um documento mais longo, igualmente vazio.

Na segunda a Wired publicou essa entrevista dele, detalhando a coisa.

Wired: Por que formar uma coalizão para espalhar a conectividade global?

Zuckerberg: A Internet é uma base importante para melhorar o mundo, mas não se faz sozinha. Nos últimos anos, temos investido mais de um bilhão de dólares em conectar pessoas em países em desenvolvimento. Temos um produto chamado Facebook For Every Phone, que fornece o nosso serviço em telefones associados, que tem 100 milhões de usuários. Mas ninguém, empresa ou governo, pode construir um conjunto completo de infra-estrutura para rodar isso ao redor do mundo. Então, você precisa trabalhar em conjunto com as pessoas. Desde que nós temos anunciado Internet.org, temos ouvido, de operadoras de todo o mundo e de governos, que querem trabalhar com a gente. Isso vai dar um impulso para fazer este trabalho durante os próximos 3 a 5 anos, ou o tempo que for preciso.

A pergunta é bastante objetiva, mas recebe uma resposta parcial. “A internet é uma base para melhorar o mundo” e logo se vai para ~como fazer isso~* e se percebe que esse é um processo político, que não passa pelo livre mercado (o que necessita mais do que ele). Só que o processo político, nunca chamado por esse nome, vira um processo de ~entendimento~, uma coalizão entre Estados frágeis dos páíses-alvo com diferentes players do mercado.

Wired: Você diz que a conectividade é um direito humano – lá em cima com a liberdade de expressão, estar livre da fome e outros direitos essenciais. Você pode explicar?

Zuckerberg: A história do próximo século é a transição de uma economia industrial, baseada em recursos, para uma economia do conhecimento. Uma economia industrial é de soma zero. Se você possui um campo de petróleo, eu não posso ir no mesmo campo de petróleo. Mas o conhecimento funciona de forma diferente. Se você sabe alguma coisa, então você pode compartilhar isso – e, em seguida, todo o mundo fica mais rico. Mas enquanto isso não acontece, há uma grande disparidade na riqueza. O 500 milhões mais ricos têm muito mais dinheiro do que o próximo 6 bilhões combinados. Você resolve isso fazendo com que todos estejam online e na economia do conhecimento – através da construção de fora da Internet global.

É um conjunto bem interessante de simplificações e de silogismos equivocados. Mas, em resumo, o que ele está dizendo é que os 6 bilhões mais pobres são assim porque tem menos conhecimento (ou acesso a ele) do que os 500 milhões que estão no topo. Como se o poder não existisse, nem relações de opressão, dominação e consequente exploração. A história teria apenas nos levado a um contexto de assimetria de informações, o que caberia resolver com a internet. Pra isso ele se vale de uma metáfora até verdadeira – a da possibilidade de compartilhamento infinito do conhecimento –, somada a outra ideia parcialmente consistente – a de que o caminhamos para uma economia do conhecimento – , para afirmar que este é apenas um momento de transição para o mundo da riqueza de todos. Utopia da comunicação e do conhecimento “cuspida e escarrada”.

Wired: Mas nós temos uma economia do conhecimento funcionando aqui nos Estados Unidos, e a disparidade de renda nunca foi pior. Também parece mais polarizada.

Zuckerberg: A transição tem, naturalmente, que acontecer. Eu dei aula em uma escola local, este ano, e uma grande quantidade de estudantes lá não têm acesso à Internet em casa. Portanto, há um monte de trabalho que precisamos fazer em os EUA. Não vai ser como, “Estale os dedos, todos tem a Internet, e agora o mundo está resolvido.” A Revolução Industrial não aconteceu em uma década. Você precisa de uma base para que a mudança pode acontecer.

A réplica vai direto ao ponto, mesmo no paraíso da sociedade da informação a diferença só aumenta. Para alguém que não está em campanha ideológica a conclusão é evidente: só internet não basta. Mas Zucker  insiste, reforça a ideia de que o momento é de transição, reafirma a utopia e aponta a incompletude do projeto mesmo em território doméstico.

Wired: Se você faz um consórcio de empresas os telefones vão ficar mais baratos ou não?

Zuckerberg: Só porque smartphones estão mais baratos não significa que as pessoas que os têm podem ter acesso de dados. Por exemplo, o custo de para ter um  iPhone, nos EUA,  por dois anos, é de US$ 2.000 – US$ 500 para o telefone e os outros US $ 1.500 para tráfego de dados. Os dados são mais caro do que o telefone. Assim, o maior problema é fazer o acesso a dados mais barato, tentando descobrir como fornecer esse básico da Internet de graça [ele usa a expressão dial tone para dizer isso, como se coisas básicas da Internet fossem como o tom de discar de um telefone, custando o mesmo que o que se paga para ter a própria linha], e, em seguida, a construção de um modelo de negócios em cima disso.

Aqui temos o descortinar do projeto político que antes aparecia nublado pelo bom-mocismo e pela utopia da comunicação/informação/conhecimento. A ideia é oferecer uma internet básica a preços baixos ou irrisórios, sustentada por conteúdos mais elaborados (que usam mais banda). Na prática, isso significa pleitear o fim da neutralidade de rede, permitir a discriminação dos pacotes que circulam pela net. Assim, os provedores poderiam, por exemplo, tornar seu YouTube ou sua Netflix mais lentos se você não pagar uma taxa extra para o serviço “premium”. Com isso, a indústria conseguiria concentrar ainda mais a distribuição de conteúdo, minar as iniciativas concorrentes marginais e aumentar as taxas de lucro. Eles podem fingir que vêem um mundo pretensamente igualitário – onde a desigualdade estaria na distribuição das informações ou conhecimento -, mas sabem muito bem montar estratégias de negócio calcadas no poder e no controle das estruturas (no caso, dos cabos e dos softwares onde interagimos).

Wired: Como você torna os dados mais baratos?

Zuckerberg: Passamos muito tempo tentando fazer com que nossos aplicativos rodem mais rápido, caiam menos e tenham menos bugs, mas, até este ano, não tínhamos gasto enorme quantidade de tempo buscando entregar a mesma experiência com menos dados. Isso não era importante para um monte de pessoas que utilizam nossos serviços em países desenvolvidos. Mas é extremamente importante para os próximos bilhões. No início deste ano, em média as pessoas usava cerca de 12 megabytes para o Android app no Facebook, e acho que ao longo dos próximos dois anos vamos ser capazes de conseguir derrubar isso para até um megabyte por dia, com muito poucas mudanças. Uma vez que um megabyte ainda é muito para uma grande parte do mundo a questão torna-se se podemoschegar a metade de um megabyte, ou um terço?

Wired: você pode fazê-lo de modo que uma Internet baseada em texto seja quase de graça?

Zuckerberg: O texto, no documento que escrevi, ocupa menos de um décimo de um megabyte. Mas um vídeo de 30 segundos como o que fizemos para Internet.org pode ter facilmente 50 a 100 megabytes, e isso mesmo tirando proveito de uma série de investimentos feitos em tecnologias de compressão. Mas o número que eu dei para o documento de texto não envolve compressão. Portanto, não há mais oportunidade de fazer mais pela compressão para os serviços básicos do que há para espaço de evolução para coisas como vídeo.

Reforço da ideia anterior. Essa internet baseada em texto, extremamente básica, estaria dentro da ideia do que é essencial. Dá para imaginar também que, para um serviço de fichamento global, o texto de fato é o que basta.

WIRED: Certamente as operadoras de telecomunicações podem ajudar com isso fornecendo mais largura de banda a preços mais baratos. Agora, eles não estão em seu consórcio. Será que isso muda?

Zuckerberg: Com certeza. Mais pessoas vão juntar-se ao longo do tempo, tanto as operadoras quanto outras.

Wired: Outras empresas de Internet voltadas ao consumidor, como Google, Amazon, Microsoft não estão em seu consórcio agora. Você os convidou, espera que eles eventualmente venham a participar?

Zuckerberg: Muitas empresas estão muito bom trabalho nessa área. Nós conversamos com Google e Microsoft. Acho que ao longo do tempo algumas dessas empresas irão optar por participar. As coisas que eu estou focado para Internet.org exigem colaboração entre as empresas.

Wired: É estranho ouvir falar em voltar para modelos de texto, de baixo consumo de dados, quando a direção do Facebook tem sido o oposto – a adição de mídia e serviços mais ricos.

Zuckerberg: Depois de ajudar a todos a entrarem na Internet e a terem acesso básico, em seguida o próximo desafio será conseguir que todos tenham acesso à rede que usa muita banda, por isso o consórcio não pára.

Wired: O seu documento fala sobre a criação de novos modelos de negócios para espalhar a conectividade. Pode dar um exemplo?

Zuckerberg: Eu tenho um plano em que você pode pegar um telefone em qualquer lugar e, mesmo se você não tiver um plano de voz, você ainda pode ligar para o 911 para obter serviços básicos. Acho que podemos chegar a um modelo onde muitas dessas coisas são gratuitas para pessoas que não podem pagar por eles. Estou falando de coisas como mensagens, Wikipedia, sites de busca, redes sociais, acesso às condições do tempo, o preços das commodities. Eu chamo isso de o tom de discagem [dial tone] da Internet. Queremos fazer serviços que funcionem, onde qualquer pessoa – mesmo quem não podia pagar por dados no modelo antigo – pode entrar em uma loja, pegar o telefone e obter este tom de discagem da Internet para esses serviços básicos.

Wired: Quem vai pagar por isso?

Zuckerberg: O que é valioso sobre redes sociais e motores de mensagens e de busca é que eles são portais para mais conteúdo. Ao fazer o acesso básico a essas coisas livres as pessoas realmente acabam descobrindo mais conteúdo em uma base sustentável, então acessarão e usarão mais dados do que usavam antes. Acabaria sendo um modelo muito rentável para as operadoras. Os operadores vão ganhar mais dinheiro com as novas pessoas que podem pagar do que vai custar-lhes oferecer os serviços gratuitos.

Tem uma coisa muito muito cruel nisso, tenho a impressão (mas este sou eu o paranóico). Zucker captou bem a ideia – que deve ser do marketing ou de alguma disciplina especializada em sugar sempre mais das pessoas – de que a alienação total do mundo ocidentalizado-capitalista simplesmente não interessa. É preciso jogar todo mundo na rede, estabelecer um mínimo de contato cultural, de ponte de comunicação, para que essas pessoas possam se sentir impulsionadas e cativadas a consumirem cada vez mais (tanto faz se objetos físicos ou informação-entretenimento). É um plano de expansão dos negócios, não só de Zucker (e por isso ele acredita que mais empresas entrarão na coalizão) mas de todo o complexo da tecnologia da informação. Integrar e expandir e, para isso, é preciso criar linhas diferenciais na internet, os caminhos de terra gratuitos e as highways informacionais cheias de pedágios.

Wired: O Facebook quer assumir o papel de fornecer identidade on-line para estes novos milhões de usuários?

Zuckerberg: Em muitos países em desenvolvimento é difícil saber persistentemente quem é seu cliente. Se você é um operador na Índia e alguém compra seu serviço em uma loja de varejo, pagando com dinheiro e colocando créditos no chip, você não sabe muito sobre quem é essa pessoa. Ser capaz de criar um relacionamento de longo prazo com o cliente seria muito valioso. Eu não quero fingir que somos a única empresa que pode fazer isso, mas se nós podemos criar algum valor ali, esta seria sem dúvida algo que eu estaria interessado em fazer.

Não dápra negar que Zuckerberg é transparente. O objetivo final de seu negócio é identificar pessoas/consumidores e comercializar os dados dessa pessoa. Esse consumidor marginal, que tem 4 chips, diversas identidades online, é difícil de controlar, de produzir metadados consistentes e comercializáveis. Se esgueira numa deep web, ironicamente aberta mas ainda assim difícil de controlar.

WIRED: Por que não fazer isso como uma fundação ou sem fins lucrativos?

Zuckerberg: Este problema não vai ser resolvido só por meio de altruísmo. Dezenas de bilhões de dólares por ano são gastos na construção desta infra-estrutura. É demais para ser sustentado pela filantropia. Tem de haver um modelo sustentável. Há um monte de empresas cujo trabalho é para entregar isso. Até agora, um monte desse trabalho meio que aconteceu por si só. Mas para tornar este plano real as empresas precisam trabalhar juntas. Internet.org pode ajudar.

WIRED: Seus críticos estão dizendo que Internet.org é um jeito auto-interessado de o Facebook construir sua base de usuários.

Zuckerberg: Claro, nós queremos ajudar a conectar mais pessoas, então teoricamentenos beneficiamos disso. Mas essa crítica é meio louca. As bilhões de pessoas que já estão no Facebook tem muito, muito mais dinheiro do que as próximas 6 bilhões de pessoas juntas. Se quiséssemos nos concentrar em apenas ganhar dinheiro a estratégia certa para nós seria nos concentrarmos exclusivamente nos países desenvolvidos e nas pessoas que já participam do Facebook, aumentando seu engajamento ao invés de colocar essas outras pessoas para participar. Nosso serviço é gratuito, e os mercados de anúncios não são desenvolvidos em muitos desses países. Assim, por muito tempo isso pode não ser rentável para nós. Mas eu estou disposto a fazer esse investimento porque eu acho que é muito bom para o mundo.

Wired: O que o liga pessoalmente a esse esforço?

Zuckerberg: É muito claro que qualquer pessoa que tenha um telefone deveria ser capaz de acessar à Internet. Muitas vezes as pessoas falam sobre quão grande foi a mudança cultural produzida pelas mídias sociais aqui nos EUA. Mas imagine quanto maior é a mudança quando um país em desenvolvimento fica on-line pela primeira vez. Nós usamos coisas como Facebook para compartilhar notícias e manter contato com nossos amigos mas, nesses países, eles vão usar isso para decidir que tipo de governo eles querem ter. Ter acesso a informações de saúde pela primeira vez na história. Estar conectado a alguém a uma centena de quilômetros de distância em uma aldeia diferente, que eles não viam há uma década. Este é um dos maiores desafios da nossa geração e é maravilhoso ver as empresas se unirem para tentar resolvê-lo.

O quanto essa visão do Terceiro Mundo é caricatural e simplista é difícil expressar em palavras. Opa… o Zucker conseguiu bem aí em cima. O trecho sobre a acesso a informação sobre saúde é exemplar sobre o quanto os cidadãos dos países desenvolvidos diminuem o problema alheio transformando-o em uma questão de ignorância. O ponto sobre mudança política é preocupante, em especial, ao mostrar como o Vale do Silício vê os sistemas políticos não-ocidentalizados como simplesmente derivados de um hipotético bloqueio das comunicações. E como claramente se coloca no papel de agente da transformação desses sistemas, erroneamente imaginando que uma infraestrutura comunicacional semelhante à ocidental vai desembocar num sistema político igualmente ocidentalizado. “Decidir o tipo de governo que eles querem ter” é mera frase de efeito que esconde a expectativa de emergência de um sistema em alguma medida similar (ou que atenda aos interesses) dos países mais fortes. Nisso, importa pouco se Zuckerberg efetivamente acredita no que diz. O fato de que esse é um discurso que funciona com pelo menos parte do público é evidência suficiente da existência desse tipo de ideia no senso comum.

Nukezilla

por Rafael Evangelista em 24 de agosto de 2013, um comentário

Os melhores filmes de monstros e/ou de terror são aqueles cujo medo não é causado propriamente pela criatura, mas pelo que ela representa – e essa é uma ideia até já meio batida. Nessa linha, Brian Merchant, da Motherboard, foi assistir o Godzilla original pela primeira vez – o filme vai fazer 60 anos no ano que vem. Ele pirou e escreveu um texto bem massa lembrando que o filme está ligado não só às bombas de Hiroshima e Nagasaki mas também a um acidente menos conhecido, no Atol de Bikini, ocorrido seis anos depois das bombas, quando os americanos testavam a bomba de hidrogênio.

As bombas nucleares das forças armadas americanas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki abriram uma ferida purulenta no tecido da sociedade japonesa. Mas foi um incidente que ocorreu seis anos depois, em 1954, quando os americanos testaram uma bomba de hidrogênio acidentalmente muito perto de um navio de pesca japonês, que inspirou Godzilla. A bomba caiu encharcado 23 homens com suas cinzas (o fallout), tornando-os os primeiros civis a serem submetidos a radiação de armas em tempo de paz. Foi também um lembrete para Japão ocupado que a bomba ainda estava muito viva. O pesadelo atômico não foi relegado às Guerras Mundiais, era uma ameaça onipresente.

Portanto, faz sentido que Godzilla comece com um navio de pesca que aparece em combustão espontânea. A explosão, as chamas, parecem vir do próprio mar. Antes de os marinheiros saberem o que os atingiu, eles se foram.

Mas ao contrário do que dá a entender Merchant, o acidente original não implicou na morte instantânea dos pescadores. Primeiro eles viram uma luz a oeste, como um nascer do Sol. Oito minutos depois veio o som da bomba, que se mostrou duas vezes mais poderosa do que o esperado. Três horas mais tarde, cinzas brancas, produzidas pela calcinação dos corais da ilha, começaram a cair por todo o barco durante três horas. Os pescadores retiraram as cinzas com as mãos nuas. Quando retornaram ao porto se queixavam de náuseas, dores de cabeça, queimação na pele, ardência nos olhos e tinham as gengivas sangrando. Sete meses depois, em setembro de 1954, morreu a primeira vítima, o operador de rádio do barco.

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“Godzilla destrói não só vidas, claro, mas infraestrutura – pontes, linhas de transmissão e, talvez mais notoriamente, trens. Coisas caras que são difíceis de reconstruir, tomam anos”

Outro dado curioso e cruel da matéria da Motherboard é que, logo após o acidente de Fukushima, as buscas por Godzilla no Google japonês sofreram um pico. Isso mostra que o monstro continua marcado na cultura do país como a grande história sobre a cautela necessária com as coisas nucleares.

Dica de texto do @filipesaraiva