Por um lado, o termo soberania digital vem mobilizando diversos grupos que antagonizam com as Big Techs. Por outro, a expressão evoca sentidos a depender dos atores em questão e suas localizações. Sebastián Lehuedé olha comparativamente para o debate na periferia global, como a América Latina, e para centros tecnológicos mais desenvolvidos e dominantes, como China e União Europeia. O cenário mais interessante e promissor está no Sul Global, onde a sociedade civil faz uma apropriação de baixo pra cima do termo, buscando a promoção da paz e a coexistência com meio ambiente.
“An alternative planetary future? Digital sovereignty frameworks and the decolonial option” foi publicado na Big Data & Society, revista estadunidense de acesso aberto que é uma das mais importantes publicações interdisciplinares no campo do digital. Lehuedé é professor no King’s College de Londres e membro da Tierra Común, rede de ativistas e pesquisadores sobre dados e decolonialidade.
Uma das principais questões do artigo se refere ao possível caráter transformador da soberania digital. É ela uma forma de se pensar futuros planetários alternativos ou meramente uma troca de atores que mantém o status quo? Para Lehuedé, em algumas áreas as formulações de China e União Europeia exacerbam colonialidade, seja por serem discursos que partem principalmente de Estados, seja porque, ainda que esses atores busquem uma ordem mais policêntrica, esta ordem continua “ligada a um único sistema interconectado global, nomeadamente o capitalismo mundial, baseado na criação de periferias para a exploração e extração”.
A questão de soberania, originalmente ligada à consolidação dos Estados-nação, nesse sentido anterior tende a se referir mais a questões governamentais, sobre fronteiras e seus respectivos direitos. Atualmente, pode abarcar o reconhecimento da diversidade de populações, etnias e culturas.
As iniciativas da América Latina, mais incipientes e a maioria oriunda da sociedade civil, constituiriam uma promissora opção por serem registros que opõem tentativas não capitalistas a formulações industrialistas e produtivistas. Ainda assim, isso não significa que são, de fato, políticas consolidadas ou consensuadas nos seus respectivos territórios, sendo alvo de disputas.
Lehuedé se utiliza de uma abordagem decolonial fundamentada principalmente em Walter Mignolo, autor conhecido por desenvolver o termo colonialidade, além de fazer parte do Terra Comum, uma iniciativa que tem como foco a “descolonização de dados”, cujos fundadores são Nick Couldry, Paola Ricaurte e Ulises Ali Mejías. No material de pesquisa de Lehuedé estão relatórios sobre o tema, principalmente produzidos pelos próprios Estados, no caso de China e União Europeia, somados a entrevistas com atores locais, realizadas na América Latina durante 2022.
Para ler o artigo: https://doi.org/10.1177/20539517231188723
Esta nota faz parte do projeto “Inteligência Artificial e Capitalismo de Vigilância no Sul Global”, financiado pela Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade e realizado pelo Labjor – Unicamp | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo