Em 2009, Bradley Manning tinha 22 anos e era um soldado dos EUA estacionado em Bagdá. Como especialista em sistemas de inteligência, ele tinha acesso ao banco de dados usado pelo governo para a organização e transmissão de informações confidenciais.
Logo após ter acesso aos sistemas de segurança dos Estados Unidos, num movimento que deixará cientistas políticos e psicólogos e filósofos coçando a cabeça por muitos, vários anos, Manning sentiu que as informações de que cuidava deveriam ser mostradas às pessoas e contatou o pessoal do Wikileaks – então, uma nova e não muito conhecida iniciativa de mídia radical.
Para o Wikileaks, Manning repassou dados confidenciais sobre ataques de militares dos EUA a civis no Iraque e no Afeganistão, memorandos de diplomatas americanos sobre suas intervenções na política interna de outros países, relatórios sobre a sistematização de crueldades na prisão de Guantánamo. Hipóteses radicais e teorias de conspiração saíram de suas gavetas e foram tomar um pouco de sol, promovidas, enfim, a verdade das coisas.
No começo de 2010, Bradley Manning puxou papo na internet com Adrian Lamo. Hacker tornado consultor de segurança, Lamo é o que, no jargão da cibercultura, é conhecido como gray hat, o sujeito que vive na zona cinzenta entre o que, simplificadamente, seria o “hack ético” (white hat) e o “hack desonesto” (black hat). No bate-papo, Manning contou sobre as informações vazadas para o Wikileaks, e meio que imediatamente Lamo o denunciou a o FBI (apesar de ter garantido manter a informação em segredo). Lamo repassou, ainda, o registro do chat que teve com Manning para a Wired, que publicou parte da conversa e foi a primeiro veículo a dar a história.
Pouco tempo depois, em meados de 2010, Bradley Manning foi detido. E assim continuou, e assim continuará pelos próximos 35 anos, de acordo com a pena hoje recebida ao fim de seu julgamento – embora, segundo alguns especialistas, exista a possibilidade de que em oito anos ele venha a cumprir o resto da pena em liberdade condicional.
(A pena de Manning é três vezes maior que a sentença máxima dada aos soldados envolvidos na tortura de prisioneiros na prisão de Abu Ghraib. E a Anistia Internacional condenou seu sentenciamento.)
Há poucos meses, Edward Snowden, então um especialista em tecnologia de 29 anos contratado pela CIA, saiu de casa para nunca mais voltar, pegou um avião dos EUA para Hong Kong, e lá contou a jornalistas que somos espionados na internet o tempo todo pelo governo americano (e pelo Vale do Silício). Hoje exilado na Rússia, Snowden não pode mais voltar a seu país, onde o espera uma acusação de espionagem e uma pena de 30 anos a ser julgada. Tanto ele como Manning se embrenharam fundo no motor da guerra e da espionagem de seu país (que vem a ser o mais poderoso do mundo), e viram os cheat codes do maquinário do poder global, e encararam mais riscos do que as pessoas normalmente parecem dispostas a correr para mostrá-los pra todo mundo.
Li todo tipo de coisa tentando entender os motivos de Manning, hipóteses que passam por seu voluntarismo juvenil, pelo seu sentimento patriótico, pela sua negação do complexo industrial-militar, pela sua sexualidade (psicólogos que o acompanham afirmam que ele teria se descoberto transgênero, e viveria um delicado momento de instabilidade e reconstrução emocional). Talvez alguns desses motivos façam sentido, talvez seja tudo junto. Snowden se justificou dizendo que gostaria apenas “de informar o público sobre o que foi feito em seu nome, e sobre o que foi feito contra” – argumento que, em sua lógica cristalina, parece ter deixado os analistas igualmente desorientados.
Talvez a coisa tenha a ver com alguns absurdos às vezes se apresentarem como os absurdos que são, e algumas pessoas não conseguirem dar de ombros e deixar quieto.
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Essas eram apenas uma ou duas coisas que eu queria falar sobre a condenação de Bradley Manning. Aqui, porém, tem algo mais pedaçudo a respeito do Wikileaks.