Há uma grande preocupação se a incorporação de Inteligência Artificial (IA) no nosso cotidiano pode gerar desemprego. Menos incerto, porém, é o dado concreto sobre a IA servir como ferramenta de exportação de trabalho para países que pagam salários menores.
Nesse sentido, Clément Le Ludec, Maxime Cornet e Antonio Casilli demonstram uma nova demanda por trabalhadores de dados para alimentar aplicações de IA. A pesquisa se debruça sobre as relações de trabalho e terceirização entre França e Madagascar, e foi publicada na Big Data & Society, revista estadunidense de acesso aberto que é uma das mais importantes publicações interdisciplinares no campo do digital. Eles investigaram duas startups – uma que trabalha com refeições prontas e outra com câmeras de vigilância – para compreender de forma mais ampla a transformação nas cadeias de produção a partir do uso de IA.
Os casos em questão não se utilizam micro tarefas, como as gerenciadas por plataformas como a famigerada Amazon Mechanical Turk, a líder nesse tipo de terceirização. A análise trata de relações diretas entre equipes especializadas nos país do Norte, que desenham o sistema e encomendam as tarefas, e equipes no Sul, que executam tarefas em plataformas próprias a fim de enriquecer dados para tornar a experiência do usuário mais automatizada. As empresas recrutam os trabalhadores por meio de companhias parceiras locais.
A pesquisa demonstra como em ambos os casos estudados há trabalhadores mal pagos em Madagascar e a participação de consumidores trabalhando de graça na produção das atividades produtivas das IA, gerando uma externalização por cascata similar ao que existe na manufatura. “A digitalização, a terceirização e o trabalho do consumidor são três tendências que permitem que as empresas de IA prosperem”, segundo os autores, numa cadeia de invisibilização de trabalho.
Esses casos não são únicos e são recorrentes. A própria Amazon, por exemplo, chegou a anunciar lojas sem funcionários – as Amazon Fresh – como grande inovação. No entanto, reportagens do Wall Street Journal e do The Information revelaram que as compras eram revisadas remotamente por funcionários da empresa na Índia.
As soluções de IA, em muitos casos, estão mais ligadas à montagem de modelos complexos, trabalho a distância, onde os trabalhadores chegam a emular o próprio funcionamento do algoritmo, buscando automatizar tarefas na ponta.
Para ler o artigo: https://doi.org/10.1177/20539517231188723
Esta nota faz parte do projeto “Inteligência Artificial e Capitalismo de Vigilância no Sul Global”, financiado pela Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade e realizado pelo Labjor – Unicamp | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo