Uso de IA pode significar somente trabalho mal remunerado no Sul Global

por Fabricio Solagna em 15 de setembro de 2024, Comentários desativados em Uso de IA pode significar somente trabalho mal remunerado no Sul Global

Há uma grande preocupação se a incorporação de Inteligência Artificial (IA) no nosso cotidiano pode gerar desemprego. Menos incerto, porém, é o dado concreto sobre a IA servir como ferramenta de exportação de trabalho para países que pagam salários menores.

Nesse sentido, Clément Le Ludec, Maxime Cornet e Antonio Casilli demonstram uma nova demanda por trabalhadores de dados para alimentar aplicações de IA. A pesquisa se debruça sobre as relações de trabalho e terceirização entre França e Madagascar, e foi publicada na Big Data & Society, revista estadunidense de acesso aberto que é uma das mais importantes publicações interdisciplinares no campo do digital. Eles investigaram duas startups – uma que trabalha com refeições prontas e outra com câmeras de vigilância – para compreender de forma mais ampla a transformação nas cadeias de produção a partir do uso de IA.

Imagem gerada por inteligência artificial generativa utilizando palavras chave: Áfria e inteligência artificial.

Os casos em questão não se utilizam micro tarefas, como as gerenciadas por plataformas como a famigerada Amazon Mechanical Turk, a líder nesse tipo de terceirização. A análise trata de relações diretas entre equipes especializadas nos país do Norte, que desenham o sistema e encomendam as tarefas, e equipes no Sul, que executam tarefas em plataformas próprias a fim de enriquecer dados para tornar a experiência do usuário mais automatizada. As empresas recrutam os trabalhadores por meio de companhias parceiras locais.

A pesquisa demonstra como em ambos os casos estudados há trabalhadores mal pagos em Madagascar e a participação de consumidores trabalhando de graça na produção das atividades produtivas das IA, gerando uma externalização por cascata similar ao que existe na manufatura. “A digitalização, a terceirização e o trabalho do consumidor são três tendências que permitem que as empresas de IA prosperem”, segundo os autores, numa cadeia de invisibilização de trabalho.

Esses casos não são únicos e são recorrentes. A própria Amazon, por exemplo, chegou a anunciar lojas sem funcionários – as Amazon Fresh – como grande inovação. No entanto, reportagens do Wall Street Journal e do The Information revelaram que as compras eram revisadas remotamente por funcionários da empresa na Índia.

As soluções de IA, em muitos casos, estão mais ligadas à montagem de modelos complexos, trabalho a distância, onde os trabalhadores chegam a emular o próprio funcionamento do algoritmo, buscando automatizar tarefas na ponta.

Para ler o artigo: https://doi.org/10.1177/20539517231188723

Lavits

Esta nota faz parte do projeto “Inteligência Artificial e Capitalismo de Vigilância no Sul Global”, financiado pela Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade e realizado pelo Labjor – Unicamp | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo